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16 de fev. de 2012

[Conto] MOACYR SCLIAR - A noite em que os hotéis estavam cheios

Moacyr Scliar


                por Pedro Luso de Carvalho


        MOACYR SCLIAR (Moacyr Jaime Scliar) , médico e escritor, nasceu a 23 de março de 1937, em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro no qual predomina a comunidade judaica. Faleceu no dia 27 de fevereiro de 2001.

        Em 31 de julho de 2003, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31. Na sua posse na ABL, em 22 de outubro de 2003, foi recebido pelo poeta gaúcho Carlos Nejar.

        Moacyr Scliar foi médico especilista em saúde pública, professor universitário e escritor. Escreveu romances, contos, crônicas e crítica. Além de ter ficado conhecido em boa parte do país como ficcionista, também teve notoriedade por suas crônicas, que foram publicadas por importantes jornaís brasileiros.
       
        Segue o conto A noite em que os hotéis estavam cheios, de Moacyr Scliar (in Amigos Secretos, Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1994, p. 85-87).


                                                                    
             
          A NOITE EM QUE OS HOTÉIS ESTAVAM CHEIOS
                                                                                                   (Moacyr Scliar)



       O casal chegou à cidade tarde da noite.Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa serviria, desde que não fosse muito caro.

        Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha; na pressa da viagem esquecera os documentos. 

       - E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos? - disse o encarregado. - Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não!

        O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel também não havia vaga. No quarto - que era mais uma modesta hospedaria - havia, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não ficar mal, resolveu dar uma desculpa:

        - O senhor vê, se o governador nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu já teria feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até hoje não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente... O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?

        O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.

        - Pois então - disse o dono da hospedaria - fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim, na próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.

        O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.

        No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio:

        - O disfarce está muito bom. Que disfarce? perguntou o viajante. Essas roupas velhas que vocês estão usando, disse o gerente. Isso não é disfarce, disse o homem, são as roupas que nós temos. O gerente aí percebeu o engano:

        - Sinto muito - desculpou-se. - Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.

        O casal foi adiante. No hotel seguinte, também não havia vaga, e o gerente era metido a engraçado. Ali perto havia uma manjedoura, disse, por que não se hospedavam lá? Não seria muito confortável, mas em compensação não pagariam diária. Para surpresa dele, o viajante achou a idéia boa, e até agradeceu. Saíram.

        Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando por um casal de forasteiros. E foi aí que o gerente começou a achaar que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes já chegados de Belém de Nazaré.


                                                              * * * * * *

Um comentário:

  1. Emocionante. Na verdade uma lição. Todos nós andamos desconfiados de todo mundo. Muitas vezes nos omitimos.Por medo, por interesses etc. Gostei muito.

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Pedro Luso de Carvalho