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4 de mar. de 2024

[conto] O MENINO - Pedro Luso de Carvalho

 



O MENINO

                              - Pedro Luso de Carvalho



      Manuel, homem dedicado à família e ao trabalho, aos domingos deixava a fazenda bem cedo, com a mulher e o filho, para chegar à igreja da vila antes do início da missa. Não se esquecia da advertência do padre Onofre: “Às dez horas começa a Santa Missa, caros irmãos, com a pontualidade que deve ser respeitada”.

Embora fosse homem de poucas rezas, Manuel apreciava os sermões breves do padre Onofre. Diante dele, não se sentia pecador por não dedicar mais tempo à igreja. Mas não se esquecia do que sempre dizia, do púlpito: “A qualquer momento, podemos ser chamados para prestar contas ao Senhor”.

Era um domingo, Manuel dirigia o carro com desatenção, lembrando-se do filho de cinco anos, que perdeu. Nessas viagens, que faziam para assistirem à missa, sentia o frio de sua ausência. Desviava os olhos da estrada, às vezes, para olhar sua mulher. Vi-a triste, por não se conformar com a morte do menino.

No vilarejo, algumas pessoas perguntavam ao padre Onofre qual fora o motivo da morte do menino. Para acabar com a curiosidade, o padre resolveu fazer a pergunta ao Manuel. No dia e na hora marcada Manuel entrou na sacristia, onde o padre esperava por ele. Curvou-se para beijar o anel na mão do padre Onofre.

Padre, eu poderia ter evitado a morte do meu filho.

Estou aqui para ouvi-lo, Manuel.

Como o senhor sabe, meu filho era uma criança dócil. Era um anjo, como dizia a mãe.

O homem contou ao padre que, quando seu filho tinha pouco mais de quatro anos encantou-se com o arvoredo; falou da preferência do menino por quatro árvores, muito grandes, entre outras tantas, que cobriam uma parte do terreno da sua fazenda. “As quatro árvores tinham nomes, que foram dados por meu filho”, disse Manuel.

Fale mais sobre o menino – pediu-lhe o padre.

Cerquei essa parte da fazenda, como a mulher havia pedido.

Não se acanhe, prossiga.

Um tanto nervoso, Manuel explicou que foi sua intenção ampliar os estábulos da fazenda, e que, para isso, teria que limpar o terreno com o corte das árvores. Disse-lhe que havia falado à mulher sobre esses planos, e que ela se opôs com energia: “Não faça isso, essas árvores são os amiguinhos do nosso filho, homem”.

Continue – pediu-lhe padre Onofre.

Manuel contou ao padre Onofre que não quis ouvir a mulher, e que certo dia mandou o menino para a casa de uma tia, na cidade, para que ele não visse o corte das árvores. “Padre, quando o menino voltou para casa, correu ao encontro de suas árvores e encontrou apenas os tocos delas, muitos tocos” – disse, com esforço.

Quando meu filho viu os tocos das suas árvores, padre, passou a gritar como se estivesse louco.

Prossiga, Manuel.

Depois o menino abraçou um dos troncos, repetindo os nomes das suas árvores favoritas.

Continue – disse padre Onofre.

Após esse dia, padre, o menino não comeu mais. A mãe pedia que comesse alguma coisa, mas ele se recusava. Chamei um médico, ele receitou alguns remédios, mas o menino não tomou.

Condoído pelo estado de espírito de Manuel, que tinha os olhos marejados, muito nervoso, tremendo algumas vezes, padre Onofre levantou-se e colocou a mão sobre o ombro do homem, para confortá-lo. Esperou um pouco, depois pediu a ele para continuar.

Faz mais de um ano que perdemos nosso filho, padre Onofre – concluiu Manuel.

No meio da tarde, o homem despediu-se do padre Onofre. Na estrada, que cortava em duas partes o campo amplo à sua frente, Manuel levava consigo o mesmo sentimento de culpa. Talvez a ação do sol forte sobre o para-brisa do carro tivesse lhe dado à impressão de que seu filho o acompanhava, correndo sobre o asfalto.

Quando Manuel chegou em casa, sua mulher esperava-o ansiosa, querendo saber o que a conversa com o padre Onofre poderia acrescentar na vida do casal. Mantinha a esperança de que o padre tivesse iluminado o marido. A pressão no peito foi o sinal de que alguma coisa estava por acontecer, para aliviar a dor e a saudade.

Mulher, amanhã nós vamos começar a plantar muitas árvores; vamos refazer o arvoredo do nosso filho – disse Manuel, com firmeza.

As muitas árvores, que foram plantadas, cresceram robustas, criando um colar verde em torno da casa. Os passarinhos ali construíram os seus ninhos. Manuel e a mulher envelheceram. Em frente ao arvoredo eles sentiam a presença viva do filho, e, às vezes, o viam correr risonho por entre as árvores, como sempre fazia.




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41 comentários:

  1. Prezado Pedro,
    Essa é uma história comovente e um bom final de uma forma que eles memorizaram seu filho replantando suas árvores favoritas.
    Abraços,
    Mariette

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  2. O texto é lindíssimo.
    E mostra que mesmo nas trevas, na escuridão, há sempre uma luz que nos guia.
    Forte abraço, boa semana

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  3. Una historia preciosa Pedro, la cual he leído con mucho gusto e interes.
    Al final los padres se aliviaron un poco de su dolor.
    Me encantó leerte.
    Un abrazo y buena semana.

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  4. Muito lindo ,bem triste, mas que bom aceitaram a sugestão do padre e fizweram novamente aquele cantinho onde o filho gostava de estar...Ali agora, conseguem sentir a presença do menino! Adorei! abração, chica

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  5. Cada persona debe buscar la mejor manera para aliviar su dolor tras una pérdida. en este caso la de su hijo de cinco años.
    Si Manuel encontró el remedio en volver a plantar árboles alrededor de su casa, bienvenido sea, lo más importante es volver a encontrar la paz interior.
    Cariños.
    kasioles

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  6. Una storia intensa, e commovente, che ho molto apprezzato.
    Un caro saluto Pedro

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  7. Ha sido un placer leer tan bonita y emocionante historia, llena de ternura.
    Me ha gustado mucho.
    Un beso.
    Feliz semana.

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  8. Boa tarde de Paz, amigo Pedro!
    Eu creio que o menino ficou feliz com o novo plantio.
    Seu conto é emocionante, com sensação de realidade.
    Muitos passam pelo sentimento de se definhar com a ausência se quem ana ou do que ama.
    Gostei muito e quanto relevamos nesta.vida por Amor aos nossos...
    Tenha dias abençoados!
    Abraços fraternos de paz

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  9. Bonita historia, que ha llegado a conmoverme.
    Un abrazo.

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  10. Una triste y bella historia. Por los menos plantaron nuevos arboles y eso ayudo para calmar su dolor. Te mando un beso.

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  11. Caro Pedro
    É comovente a história que nos contou.
    A paz encontrada pelos pais do menino,
    pela plantação de novas árvores mostra
    bem como o amavam.
    Belos momentos de leitura nos
    proporcionou.
    Muito obrigada, meu amigo.
    Abraço
    Olinda

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  12. Um conto maravilhoso, muito real. Embora muito triste, mostra com muita dor o que é perder um filho dessa maneira, o pai sentindo-se muito culpado e refazendo o que o seu filho mais amava, pois cada árvore lhe foi dada um nome, sentimento de muito carinho. Ao ir ter com o padre, buscava um consolo, talvez, quem sabe, o perdão por não ter dado muita importância aos sentimentos do filho. Um conto muito criativo e que mexe com sentimentos do leitor, sem dúvida!
    Te aplaudo, meu querido, aliás como sempre!
    Beijinhos daqui da sala ao lado!

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  13. Olá, amigo Pedro,
    Conto muito bonito e triste. Onde relata a história real, da dor de um pai pela perda de um filho de forma trágica, pela qual se sente culpado.
    Gostei muito de ler.
    Deixo os meus votos de boa semana, com muita saúde e paz.
    Abraço amigo

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta. blogspot.com

    Convido a visitar o meu novo blog. Espero que goste.
    Aqui deixo o link: https://soltaastuaspalavras.blogspot.com/

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  14. Un cuento muy conmovedor en el que nos narras como el hombre se sentía culpable de la muerte de su hijo al talar los árboles a los que había puesto nombre. Culpa que palio en parte al volver a plantar nuevos árboles.

    Saludos.

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  15. Lindo conto, mas muito triste, Pedro. É uma história, mas todos nós conhecemos casos de pais que se culpam pela morte de um filho; aqui em Portugal houve um caso que, chegados a uma casa com piscina onde iriam passar férias, um pequeno descuido com uma criança de dois anos que foi encontrada, sem vida , afogada na piscina. Que sofrimento para essa familia, Amigo!!! Estes não poderão fazer o mesmo que os do teu conto....sofrerão ainda mais se virem um simples tanque. E também há realidades dessas que acontecem com os avós, ainda bastante saudáveis para cuidarem dos netos, mas, como avó que sou não sei se sobreviria a um acidente desses. Uma dor terrivel que não deve ser punida pela lei, porque a perda e a culpa se encarregam do castigo. Querido Amigo, obrigada pelo conto que muito emociona. Desejo-te tudo de bom, especialmente no que à saúde diz respeito. Beijinhos
    Emilia

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  16. Querido amigo poeta, fiquei impressionada com a precisão e beleza da tua prosa.
    O final deste conto, lindo, triste, comovente e inspirador, é simplesmente magnífico. Gostei muitíssimo!
    Beijo. Bom resto de semana.

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  17. Boa tarde Pedro
    Um conto muito triste, mas muito bem escrito que me prendeu do princípio até ao fim, querendo sempre saber mais.
    Confesso que fiquei muito comovida, mas adorei o seu final.
    Deixo um beijo
    Muito onrigada por este momento.
    Boa semana.
    :)

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  18. Amigo, bella y triste historia me conmovió mucho.
    Un placer leerte, llegaste al alma con este post.
    Abrazos, que tengas un bello día

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  19. --- O menino ---- trago de solaz viveza y riqueza sentimientos
    lan tanso escrito amigo Pedro nos das alquimea miel y sabios
    consejos entre los personajes acariciando la perdida como loor
    del alma traspasado del umbral del dolor y hasta convertirse tronco
    y árbol de la esperanza vereda del amor que nunca se va mientras
    halla una conciencia y cariño que no le olvide...un placer leerte
    Pedro gotas de luz en tanto mar de oscuridad llamas animas
    simpre verde resonar, un fuerte abrazo y feliz semana Pedro.jr.

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  20. Olá Pedro Luso de Carvalho!

    Uma narrativa que nos lembra da importância do perdão, do amor e da esperança, mesmo nos momentos mais sombrios. Forte abraço 🤗

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  21. Muito bonita sua publicação e com uma bela historia. Bju

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  22. Que lindo conto, Pedro
    Tu saistes como a Tais , dois poetas cronistas maravilhosos l que muito me honra te-los como amigos.
    Adorei a prosa que apesar da tristeza pela perda de um filho ,deixa uma mensagem de perdão a si próprio e uma reconciliação com a natureza, curando-se dessa dor..
    Bonito,Pedro ,Feliz semana

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  23. Que história tão cheia de sensibilidade. Ainda há quem diga que não se morre de tristeza. Que bem fizeram os pais em voltar a plantar árvores ao pé da casa. De certeza que o menino andava por lá contente.
    Tudo de bom, meu Amigo Pedro.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  24. Lindo conto, cujo encanto
    Lembra o pé de tamarindo
    De Augusto dos Anjos, lindo
    Como teu conto que eu canto,
    Em busca de um acalanto
    À emoção que eu sinto
    Ao imaginar o recinto
    Com o o vellho casal sentado
    A recordar de um passado
    Insepulto por distinto.

    Parabéns meu prezado Prezado! O conto tm que ter um fecho emocionante, hilário ou inesperado e o teu texto emociona. Dez, Prezado. Abraço muito afetivo. Laerte, seu criado.

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  25. Amiga, que tengas un bello comienzo de semana.
    Abrazos y besos

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  26. Olá, amigo Pedro,
    Passando por aqui, relendo este belo conto que muito gostei, e desejar uma feliz semana, com muita saúde e paz
    Abraço amigo.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com/

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  27. Pedro, muito sentido fez para mim este conto, sobretudo em relação à arvore.Normalmente, quando alguém parte para vida eterna,os indios plantam uma árvore em sua memória e aí, acredita-se que quando a Alma Florescer, ela mostrará de alguma forma....

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  28. O Conto emociona desde o título,mas " As árvores que o menino" apreciava, e o desfecho do conto, me emocionaram muito! Plantei um Manacá para Mãe.

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    1. Oi, Liana, bem-vinda a este espaço, que te recebe de braços abertos.
      Este teu carinhoso comentário enriqueceu esta postagem. Que bom que gostaste desse conto, um dos meus contos favoritos.
      Gostei do que disseste sobre o plantio de uma árvore, que quando crescer e florescer deixará uma mensagem sobre quem partiu, uma espécie de renascimento.
      Obrigado, querida Liana, belo comentário!
      Logo estarei visitando um de teus blogs.
      Um beijo.

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    2. Querido Pedro,vou ler com calma ,tudo por aqui.Gratidao por tudo!

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    3. Esta relação com as árvores,dentro de casa etnia,mostra esta relação de pertencimento a Terra e aquilo que fazemos,ecoa na eternidade ♾️.Vivi com muitas etnias e fui "replantada" em uma Aldeia.Somos árvores.Teu conto ecoa na eternidade também.

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  29. Una historia conmovedora, Pedro. Con una prosa poética muy bella.
    Es un placer siempre visitar tu rincón.
    Saludos.

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  30. Olá, Pedro.
    Curioso, pois tenho ideia de já ter lodo esta história.
    Muita bonita e cheia de sensibilidade.
    Toca a alma, pensar que se pode morrer de saudades.
    Fez bem, o António ter plantado as árvores, foi mais uma maneira de manter viva a memória do filho-
    Gostei muito desta história cheia de tanto *
    Abraço e brisas doces **

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  31. Muito comovente, este seu conto.

    A libertação da culpa é aliviadora, mas nem sempre acontece.

    Caro Pedro, abraço com voto de bom final de semana.

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  32. qurido Pedro poeta brillante vengo a recostarme bajo tan
    dilatado arbol y sus ramas llenas del verdor esperanza que
    estos dias aún no tenemos segura... preciosas letras de sosiego
    amistad y paz , unfuerte abrazo amigo Pedro.jr.

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  33. Olá, amigo Pedro,
    Passando por aqui, relendo este belo conto que muito gostei, e deixar os meus votos de um feliz fim de semana, com tudo de bom.

    Abraço amigo

    Mário Margaride


    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com/

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  34. Maravilloso, ya sea cuento, ya sea leyenda, ya sea fruto de tu imaginación. Me ha gustado mucho, querido amigo, eso es saber escribir.
    Que pases un buen fin de semana y también los días venideros.
    Un abrazo entrañable.

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  35. Comovente e triste...talvez um bálsamo lhe foi dado para suportar!
    Um abraço

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  36. Um escritor pode nos levar ás lagrimas e aos risos. Pode nos dar um bilhete para uma viagem e nesta ficamos encantados e ou emocionados. É arte que admiro amigo Pedro este poder de criação de contos, que nos fazem recriar os lugares, pessoas e sentimentos.
    Uma lição fica subentendida de que sentimento humano é frágil e pode se quebrar diante certas ações, o que cumpre ter cuidado com todos os atos.
    Aplausos amigo pela criação com mensagem profunda de respeito ao sentimento alheio.
    Abraços amigo e bom fim de semana.

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  37. Bom dia, meu caro Pedro Luso,
    Esse seu conto é um dos mais belos e comoventes que já li. A sentida dor da perda das árvores fez com que o pobre menino perdesse a razão de viver e angústia do pai só foi aliviada com as novas plantações onde ele podia visualizar o amado filho permeando-as alegremente como nos tempos idos.
    A leitura prendeu minha atenção do começo ao fim e, por certo, sebsibiliza também todos os seus privilegiados amigos e leitores.
    Efusivos parabéns, fraternal abraço e felicidades em todos os dias de sua vida.

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  38. Olá, amigo Pedro,
    Passando por aqui, relendo este belo conto que muito gostei, e desejar uma feliz semana, com muita saúde, amor e paz.

    Abraço amigo.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com/

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muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho