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12 de dez. de 2011

[Poesia] FERNANDO PESSOA - O Andaime



           
               por  Pedro Luso de Carvalho


        Nascido em Lisboa, a 13 de junho de 1888, filho único (o irmão mais novo, Jorge, morreu em 1894, com um ano de idade), órfão de pai antes de completar os seis anos, Pessoa parte em 1896 para a África, com a mãe, que se casara de novo, com João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban. Em Durban, Africa do Sul, realizou os estudos primários numa escola de freiras irlandesas; secundários, na Durban High School e, em 1904, foi aprovado nos exames de ingresso no Curso de Artes, na Cape Univerty. Mas no ano seguinte decidiu regressar a Lisboa, sozinho.

        Os dez anos aí passados foram decisivos para a sua formação. É na África, e em inglês, que ele adquire a base de sua cultura literária (Milton, Shelley, Shakespeare, Tennyson, Pope e outros), escreve os seus primeiros poemas e concebe os proto-heterônimos Alexander Search e Robert Anon, sucessores adolescentes de Chevalier de Pas, personagem inventada aos quatro anos, com quem ele então se entretinha horas a fio. 

        De volta a Portugal, redescobre sua cultura e literatura: Cesário Verde, Antonio Nobre, Antero de Quental, Camilo Pessanha, que vêm somar-se a uns, como ele diz, “subpoetas”, lidos na infância. 1906, matricula-se no Colégio Superior de Letras, em Lisboa, que abandona em seguida, e começa a alimentar arrojados planos, literários e outros, nunca realizados na íntegra. Após o fracasso comercial de sua “Empresa Íbis – Tipografia e Editora”, experiência em que mais tarde reincidirá, emprega-se como correspondente de firmas estrangeiras sediadas em Lisboa, modéstia atividade que lhe garantirá o sustento até o fim de sua vida. (Fernando Pessoa morreu em Lisboa, em 30 de novembro de 1935).
       
        Segue o poema de Fernando Pessoa, O Andaime (In Obras Completas de Fernando Pessoa, - I - Poesias de Fernando Pessoa, 2ª ed. Lisboa: 1943, p.232-234.)


                      [ESPAÇO DA POESIA]


                             O ANDAIME
                                   (Fernando Pessoa)



        O tempo que eu hei sonhado
        Quantos anos foi de vida!
        Ah, quanto do meu passado
        Foi só a vida mentida
        De um futuro imaginado!

        Aqui à beira do rio
        Sossego sem ter razão.
        Este seu correr vazio
        Figura, anônimo e frio,
        A vida vivida em vão.

        A 'sp'rança que pouco alcança!
        Que desejo vale o ensejo?
        E uma bola de criança
        Sobe mais que a minha 'sp'rança,
        Rola mais que o meu desejo.

        Ondas do rio, tão leves
        Que não sois ondas sequer,
        Horas, dias, anos, breves
        Passam - verduras ou neves
        Que o mesmo sol faz morrer.

        Gastei tudo que não tinha.
        Sou mais velho do que sou.
        A ilusão, que me mantinha,
        Só no palco era rainha: 
        Despiu-se, e o reino acabou.

         Leve som das águas lentas,
        Gulosas da margem ida,
        Que lembranças sonolentas
        De esperanças nevoentas!
        Que sonhos o sonho e a vida!

        Que fiz de mim? Encontrei-me
        Quando estava já perdido.
        Impaciente deixei-me
        Como a um louco que teime
        No que lhe foi desmentido.

        Som morto das águas mansas
        Que correm por ter que ser,
        Leva não só as lembranças,
        Mas as mortas esperanças -
        Mortas, porque hão de morrer.

        Sou já o morto futuro.
        Só um sonho me liga a mim -
        O sonho atrasado e obscuro
        Do que eu deveria ser - muro
        Do meu deserto jardim.

        Ondas passadas, levai-me
        Para o olvido do mar!
        Ao que não serei legai-me,
        Que cerquei com um andaime
        A casa por fabricar.




REFERÊNCIAS:
MOISÉS, Carlos Felipe. Fernando Pessoa: almoxarifado de mitos. São Paulo: Escrituras, 2005.
LINS, Álvaro. BUARQUE DE HOLLANDA, Aurélio. Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. vol. I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p.341-342.




                                                             *  *  *  *  *  *

2 comentários:

  1. Machado21:58

    Caro Pedro,

    vi, em post anterior seu, que o senhor possui uma edição, há muito esgotada, dos poemas de Yeats traduzidos pelo Péricles. Eu gostaria imensamente de saber se a obra possui esses dois poemas traduzidos: "To the rose upon the rood of time" e "The song of the happy shepherd"!

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  2. Caro Machado:

    No livro que tenho, de Yeats, com seus poemas em inglês e com a sua tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, São Paulo, Art Editora, 1987, não o integram os poemas "To the rose upon the rood of time" e "The song of the happy shepherd"!

    Um abraço,
    Pedro.

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Pedro Luso de Carvalho