Ismael Nery / 1900 - 1934 |
O CHÁ DAS VELHAS SENHORAS
– Pedro Luso de Carvalho
Às quartas-feiras, as três senhoras visitavam a amiga comum no seu antigo apartamento, no centro da cidade. O porteiro, que estava acostumado a recebê-las na portaria do prédio, sempre às quatro horas da tarde, não raro acertava o seu relógio quando elas chegavam.
A anfitriã – das quatro amigas, a mais velha – esperava-as com a mesa posta: pratos e xícaras de fina porcelana, facas e garfos de prata de boa qualidade, um bule trazido de uma de suas viagens a Veneza. No hall do apartamento, entre risos, trocavam abraços e, depois, já acomodadas na sala de visitas, aguardavam o momento em que seriam chamadas para o chá – às quatro e dez, como era o costume.
Sentadas à mesa, antes de servirem-se faziam algumas brincadeiras com a amiga mais nova, que a chamavam de caçula, porque ainda não tinha chegado aos setenta anos. Servia-se, cada uma delas, de chá, doces e salgados. Como a empregada retirava-se depois de deixar o chá sobre a mesa, as velhas senhoras serviam-se com a mobilidade que lhes permitia a idade.
Quando terminavam o chá, satisfeitas e um tanto acaloradas, voltavam aos velhos e elegantes sofás da sala. Aí, tagarelavam sobre uma variedade de assuntos, quase todos ligados ao passado. Faziam ácidas críticas aos antigos namorados e às suas rivais. Falavam sobre os bailes inesquecíveis do Clube do Comércio, de seus casamentos, das viagens que fizeram a Buenos Aires e à Europa, e do muito que compraram nessas andanças.
Quando não tinham mais o que dizer sobre as boas e más lembranças, passavam a falar do dia a dia de cada uma delas: doenças, médicos, enfermeiras, hospitais, remédios. Esses eram, na verdade, os assuntos preferidos das velhas senhoras. Esses assuntos nem sempre eram concluídos, pelo adiantado da hora.
Na reunião da semana, das três amigas, apareceram apenas duas delas. A anfitriã nada falou sobre essa ausência. As amigas cumpriram o ritual de muitos anos, depois deixaram a mesa e reiniciaram a conversa na sala de espera. Uma das amigas disse à anfitriã: "A nossa caçula teve um mal súbito, e nos deixou!". As duas amigas ficaram esperando uma reação de pesar da anfitriã, mas ouviram apenas ela dizer: "é, minhas amigas, era a sua vez!"
Os encontros, às quartas-feiras, foram mantidos como se nada tivesse ocorrido. Numa dessas tardes, apenas uma das amigas compareceu ao chá. A anfitriã não fez nenhuma referência à ausência da outra amiga. A anfitriã e a amiga sentaram-se na sala de espera, como sempre faziam. Depois, tomaram chá, comeram doces e salgados, como era o hábito.
De volta a sala de visitas, a anfitriã perguntou à amiga: "Alguma novidade?" A amiga abaixou a cabeça, tomada de desconforto, e disse: "Nossa querida amiga sofreu um enfarte, e não resistiu". A anfitriã fez-se de desentendida e mudou de assunto. Depois, no horário de costume, despediram-se.
Em outra quarta-feira, a velha senhora colocou os óculos para ver se o relógio de parede havia parado. Estava funcionando. Já eram quatro horas e quinze minutos. A mesa estava posta, e a amiga ainda não havia chegado. "Nunca houve um único atraso", pensou. Sentada à mesa, serviu-se de chá, de doces e salgados, como se estivesse acompanhada. Depois, sentou-se na confortável poltrona, na sala de visitas.
A empregada apareceu diante da velha senhora, depois que desligou o telefone, e, com ar de tristeza, disse-lhe: "A amiga da senhora baixou hospital... a coitadinha não resistiu ao enfisema…" A velha senhora anfitriã levantou-se da poltrona e dirigiu-se à janela, e aí permaneceu por algum tempo; depois, quase num sussurro, disse para si mesma: "Antes ela do que eu!".
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Oi Pedro,
ResponderExcluirRi muito, você é demais
Ainda mais que não se tem mai o chá da tarde.
Abraços
Uma boa noite com a sua amada
Lua Singular
Noto que quando as pessoas vão envelhecendo, vão perdendo a capacidade de doarem-se, de cuidar dos outros, o que é muito natural e compreensível. Penso que chegou a hora da retribuição. Sentem-se fracas, carentes... e o instinto de preservação fala mais alto do que qualquer amizade. Não deixa de ser reconfortante para elas perceberem e sentir que ficarão mais um tempinho por aqui. Estão erradas? Não, acho que é muito natural.
ResponderExcluirPor isso o tal "antes ela do que eu", citação popular muito conhecida que se não passa de boca em boca, passa de pensamento para pensamento. E essas frases, esses pensamentos que vem do povo, exalam nada mais do que verdades. Não condeno, não. Vi que a última estava faceira da vida... rsrs
Um conto fantástico!
Beijinho daqui do lado!
Sempre bello leggere i tuoi speciali racconti...
ResponderExcluirBuona domenica, Pedro,silvia
Buen días amigo, buen relato el tuyo que es una gran verdad. Cuando se llega a cierta edad, las personas se suelen comportar con cierto egoísmo del que siempre carecieron, probablemente, surge en momentos de debilidad por ello y de ahí la expresión de “¡Era mejor que yo!” Cuesta mucho reconocer ciertas posturas que aun a sabiendas de no obrar nada bien se encierran en sí mismas.
ResponderExcluirUn abrazo desde el levante español y buena semana entrante.
Bom dia de domingo, amigo Pedro!
ResponderExcluirUm chá servido à antiga, com pormenores relevantes.
A viagem à Veneza tradicional... Tudo dentro do contexto septuagenário.
As xícaras de porcelana, na certa, com um dourado nas bordas... Quiçá?!
A aparente frieza da anfitriã não me agrada nem um pouco, mas reconheço que os números de mortes uma por uma vai insensibilizando certas pessoas como tem acontecido com o vírus mortífero que estamos enfrentando. Como agradecemos por estarmos vivos... Eu mesma... Vou mudar o teor da minha prece ainda mais, incluir os outros mais ainda. Afinal "antes ninguém do que eu", seria o melhor.
Gostei muito da sua arte na sua família de eximios cronistas.
Fiquei com vontade de tomar um chá... Com aqueles biscoitos finíssimos que encontro em Petrópolis no RJ. Por sinal, o Museu Imperial tem um chá da tarde ao estilo do que abordou aqui, só ninguém falando nada de desagradável aos ouvidos ansiosos por euforias. Não há compartilhamento de sentimentos.
Tenha uma nova semana abençoada!
Abraços fraternos
Racconto triste ma vero. Invecchiando ci si rende conto che la morte è un fatto ineluttabile.
ResponderExcluirFelice domenica, un abbraccio
enrico
Olá, amigo Pedro.
ResponderExcluirMuito interessante este texto aqui exposto.
É uma realidade manifesta, com o passar da idade, as pessoas perdem o sentido da realidade que as cerca. Como foi o caso desta personagem da história. Ao referir-se à sua comparsa, "antes ela do eu".
Excelente texto, meu amigo. Parabéns!
Abraço, e ótimo domingo!
Maravilhoso conto,cheio de detalhes...Adorei e a frase final, me fez lembrar do meu sogro...Estava descontente com o médico que lhe tolheu tudo de bom da vida em termos de comidas.Ele italiano,bufava e, não as cumpria... Certo dia, ao ouvir a notícia doa morte do seu médico, teve a mesma fala dessa última velhinha... E continuou a desobedecer as ordens médicas...
ResponderExcluirMuito bom, Pedro!
Melhor é nem começar com esses encontros às 4ªas feiras,rs...abração, chica
Pedro,
ResponderExcluirAdorei o texto e como
diretora teatral
eu o vi etratado em um
palco cena por cena,
encontro por encontro
pontuados pela
ausência da presença...
Confesso que viajei em sua
escrita. Ainda vou ler
em voz alta para meu esposo.
Sempre leio pra ele: o Palhaço Poeta,
a Tais e o Pedro Coimbra,
hoje lerei só Pedro Luso.
Muito obrigada por esse texto
fantástico!
Bjins de ótimo domingo.
CatiahoAlc.
Muito bom. Muito bem contado.
ResponderExcluirUm abbraço.
Dir-se-ia que a anfitriã tinha um pacto com a morte. Parecia uma árvore resistente ao tempo e dura. Talvez a vida a tivesse levado a endurecer o coração. Àquela altura da vida tantas vidas se dissiparam sob o seu olhar, que ela estava resoluta para quando chegasse a sua hora. Mas, para quantos se foram antes dela, mesmo entre os dentes, ela sempre murmurou: “antes ela do que eu”. Uma narrativa excelente, meu amigo Pedro. Deixou uma expectativa no ar para no final revelar a “crueza” da anfitriã diante da morte.
ResponderExcluirUm, bom domingo, meu Pedro!
Cuide-se bem!
Leia-se: Um bom domingo, meu amigo Pedro!
ExcluirAdorei, Pedro! Meu amigo, com o passar dos anos mais perto ficamos do final e em tempos de pandemia, qualquer saidinha ao supermercado podemos voltar contaminados, o risco de morte está iminente, para todas idades.
ResponderExcluirAté nos encontros mais jovens os assuntos não mudam muito, as rotinas não são muito diferentes, comida, passeios, saúde, filhos, netos, amores, futebol, politica (ops, aí rola treta rs)...
Estamos todos na fila!
Excelente conto!
Bom domingo, abraço!
Un bel racconto che, mette in luce il carattere egoista che determinate personeacquistano man mano che invecchiano e l'indifferenza che li riveste sullo stare o meno bene verso gli altri. Sembra il testo di un racconto teatrale che ho molto gradito. Ti auguro un buon fine settimana, un caro saluto pedro, Grazia!
ResponderExcluirUn relato excelente y con una gran frase final.
ResponderExcluirTu historia refleja toda una realidad, al ineludible paso de los años.
Un beso.
Feliz fin de semana.
Los temas de conversación, eran los propios de la edad . Poco a poco se fue disolviendo el grupo, al ir abandonando la asistencia a esas reuniones....así es la vida, unos nacen y otros abandonan este mundo de penalidades.
ResponderExcluirbesos
Muito bom!! :)
ResponderExcluir-
Fraquezas no sentido lato
-
Beijo e um excelente fim de semana
A partir de ciertas edades las reuniones de amigos van perdiendo su numero por causas naturales como a este grupo que se reunía para recordar tiempos pasados.
ResponderExcluirEn tu articulo la anfitriona después de todo lo que dijo al ir perdiendo amigas llego a la conclusión de ser la peor.
Saludos.
Una historia muy amena que llega a un final egoísta por parte de la anfitriona. A mi parecer creo que cuando se tienen amigas, siempre se siente su muerte ya que con las ausencia viene la soledad.
ResponderExcluirBueno, de cualquier forma que sea, me ha encantado el relato.
Un abrazo Pedro y buena semana.
Mais tarde ou mais cedo todos nós fazemos a viagem final.
ResponderExcluirUm excelente conto.
Um abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
Pareceu-me estar a ver um filme, meu Amigo, tal foi a força da narrativa. Gostei imenso.
ResponderExcluirUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
He leído atentamente tu relato y lo cierto es que me estaba entrando la curiosidad de conocer el final, me has hecho sonreír, la verdad es que no me esperaba tanta frialdad, pero, en el fondo, la anfitriona ha sido sincera y dijo lo que sentía: ¡Mejor que se muriese ella que yo!
ResponderExcluirCariños y buena semana.
kasioles
Boa tarde Pedro,
ResponderExcluirMuito bela a sua narrativa sobre as três senhoras que se que reuniam para o chá!
Pragmática a anfitriã e muito realista.
Adorei!
Um beijinho.
Ailime
Olá Pedro,
ResponderExcluirUma narrativa que nos prende como se de um filme se tratasse. A partir de certa idade os amigos vão gradualmente desaparecendo e penso que a forma de vermos a vida também vai sendo alterada, a frase dita pela senhora "antes ela que eu" já a ouvi muitas vezes por pessoas idosas.
Beijinhos
Bom dia, Caro Pedro
ResponderExcluirIa lendo este delicioso conto sem querer que chegasse ao fim e, ao mesmo tempo, ansiosa por saber como iria acabar. A expectativa conservou-se até ao fim...
Grande contador de histórias o meu amigo, exímio na apreensão das nossas fraquezas e fragilidades, instinto de sobrevivência e, consequentemente, associado a algum egoísmo.
Grande abraço
Olinda
Não esperava o desfecho...mas depois refleti que a sabedoria que vem com a experiência da idade torna as pessoas mais resistentes e o apego à vida é uma constante que sempre é o bem mais precioso.
ResponderExcluirUm abraço
Sabe o que me fez lembrar?
ResponderExcluirO Sérgio Godinho e o célebre Coro das velhas.
Conhece?
Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas.
Um abraço
Olá, amigo Pedro.
ResponderExcluirUma narrativa envolvente e muito descritiva. Visualizei-a como se fosse um filme.
Um desfecho com algum humor. Sempre é melhor ser a última ;)
Adorei!
Beijinho, muita saúde.
Grandes amizades... temperadas com alguma pouca solidariedade!...
ResponderExcluirAdorei a narrativa super realista... só Deus sabe, o que vai na cabeça de cada um quando se sente o inevitável countdown ...
Belíssimo texto, Pedro, que me permitiu praticamente visualizar toda a cena... e por alguma razão me transportou para o elenco de uma série que adorava, em sua época, e que por cá passou com o nome "Sarilhos com elas"... e na realidade, das 4 protagonistas... só a mais velha, continua viva... Betty White... com 99 anos... e acho que entrou em séries e filmes até 2017, pelo menos!...
Sim... não há que ter pressa para algumas coisas, nesta vida...
Beijinho! Votos de uma feliz e inspirada semana!
Ana
Muitas vezes a dureza com que são forjadas certas pessoas, é a origem de suas friezas ante qualquer evento forte, ou preocupante. Há também um conhecido distúrbio que torna a pessoa incapaz de ter emoções, muito mais comum do que se imagina. Ou que seja um mecanismo de defesa por parte dessas pessoas. Vai saber....
ResponderExcluirMas gostei muito do teu conto. Surpreendente, e que faz pensar. Parabéns Pedro, escreves muitíssimo bem. Adorei.
Abraços ....
Muito bom seu conto com este belo final Pedro.
ResponderExcluirUm conto bem dentro de uma realidade destes encontros,
que muitas vezes não traduzem o que se pensa. Coisas da vida amigo.
Mas antes ela do que eu fechou belamente amigo;
Abraço e bom fim de semana amigo.
Um conto magnífico e o final foi muito legal!
ResponderExcluirAbraços fraternos!
Triste historia, don Pedro.
ResponderExcluir¡Nadie quiere morirse!
Pero es triste ver cómo los amigos van desapareciendo uno a uno.
Abraços.
Li com muito interesse este conto. Noto nele a aceitação da inevitabilidade da morte. Ou é a vida que se vai cumprindo.
ResponderExcluirUm conto bem arquitetado!
Um beijo, amigo Pedro.