NA VIDA DE UM MÉDICO
– Pedro Luso de Carvalho
Os estalidos da janela acordam o médico. No inverno, o vento minuano sopra com violência nessa região, próxima à Argentina. Tateia no escuro para apanhar o relógio sobre a mesinha de cabeceira. Seis horas. Esfrega os olhos e se levanta. “Vou chegar ao hospital antes das oito”.
O médico caminha encolhido, defendendo-se do vento frio. Uma réstia de luz atravessa a densa neblina. O sol ainda custará a aparecer. Uma mulher cruza a rua, coberta por grossa manta. Passa de cabeça baixa. No seu trajeto, o médico não vê mais viva alma. A cidadezinha parece estar desabitada.
Ao chegar ao hospital, empurra o portão da velha cerca, prestes a cair. Sobre o seu terreno, latinhas vazias e sacos plásticos movem-se desordenados, pela força do vento. “Aonde eu vim me meter!” – lamenta-se o médico. A enfermeira aguardava por ele:
– Que bom que o senhor chegou, doutor Leôncio!
Apressa-se para contar-lhe que o capataz de uma fazenda da redondeza foi baleado no pescoço, e está passando mal. Explica que o homem chegou há pouco tempo, trazido pela mulher e pelo filho. O médico diz-lhe que quer vê-lo.
– Vamos por aqui, doutor.
Na sala de emergência, deitado sobre a cama e coberto apenas por um lençol, o homem ferido. No pescoço, uma mancha de sangue. Doutor Leôncio curva-se sobre ele, para examiná-lo:
– O que aconteceu amigo?
– Um tiro, doutor!
Doutor Leôncio segura o pulso do homem para ver como estão os batimentos cardíacos. “A bala transfixou o pescoço do pobre homem”, pensa. A enfermeira comunica-se com outro hospital, pedindo auxílio. “A ambulância já está indo”, comunica uma voz, no outro lado da linha.
Doutor Leôncio e a enfermeira permanecem ao lado do homem ferido, enquanto aguardam pela ambulância. A longa espera faz com que o médico se envolva com as boas lembranças dos amigos, dos quais recebia conselhos para não deixar a capital.
Havia passado um longo tempo, quando a enfermeira veio dizer-lhe que a ambulância havia chegado. Doutor Leôncio levanta-se e pede ao motorista para ajudá-lo a colocar o homem sobre a maca. O veículo parte para a cidade vizinha.
O médico e a enfermeira permanecem ao lado do homem ferido. Doutor Leôncio mantém-se atento às suas pulsações. Não demora muito para ver que os olhos do homem ficaram opacos. A enfermeira assusta-se:
– Meu Deus, doutor, parece que ele morreu!
Doutor Leôncio leva a mão estendida aos olhos do homem e os fecha. Pega suas mãos frias e as junta sobre o peito, uma sobre a outra. Depois faz um sinal ao motorista, que leva o veículo para o acostamento da estrada.
– Vamos voltar, o homem está morto – diz o médico.
Doutor Leôncio e a enfermeira passam para o banco da frente da ambulância, junto ao motorista, que parte em baixa velocidade. O médico fixa os olhos na estrada interminável, e não diz mais nenhuma palavra. O motorista e a enfermeira respeitam o seu silêncio.
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debe ser muy duro, ver a una persona morir y no poder hacer nada, para salvar su vida.
ResponderExcluirBesos
Bah! Um silêncio que deve ser respeitado. A impotência diante da escassez de recursos e tudo mais... Lindo teu conto! Tocante! abração,chica
ResponderExcluirEnvolvi-me completamente neste seu conto amigo Pedro, dada a forma realista com que sabiamente o escreveu.
ResponderExcluirUma terra na província sem condições de ter um hospital, é mesmo um desafio para um médico.
Este seu conto fez-me lembrar o livro do escritor português Fernando Namora, "Retalhos da Vida de Um Médico", que conta várias histórias passadas por este, enquanto exercia medicina no interior de Portugal (Beira Baixa e Alentejo).
Um beijinho com estima e o desejo de feliz semana.
Um conto "trágico" ... Gostei de ler
ResponderExcluir-
Natureza em asas de seda ...
Beijos, e uma excelente semana.
Deve ser bem difícil ser médico em locais assim, sem recursos para salvar vidas.
ResponderExcluirInteressante e trágico conto.
Beijinhos
Lidar com a vida e a morte diariamente era algo que não conseguiria fazer.
ResponderExcluirUm abraço
Mestieri difficili nei quali spesso il disagio prende il sopravvento...
ResponderExcluirSempre bello leggerti, Pedro,buona giornata, silvia
Ser médico não é uma profissão fácil. A morte merece mesmo que o silêncio se respeite. Gostei do seu conto que me envolveu bastante.
ResponderExcluirMuita saúde, meu Amigo Pedro.
Um beijo.
Una triste historia, de esas que tantas veces les sucede a los médicos cuando trabajan en lugares lejanos de la ciudad y no pueden hacer otra cosa, que esperar el auxilio de un hospital.
ResponderExcluirUn abrazo Pedro, y buen día.
Há médicos que não querem sair dos grandes centros, não só por terem melhores hospitais, mas também por ser mais lucrativo terem os seus consultórios aí. Também cá, há grandes dificuldades em arranjar médicos dispostos a trabalhar em locais do interior, onde os recursos são poucos, não só nos hospitais, mas também na população, geralmente bastante envelhecida ( os jovens fogem desses lugares ) que vivem das pequenas aposentadorias e não conseguem pagar uma consulta. Felizmente há aqueles que eu costumo chamar de " médicos por vocação " que procuram precisamente os locais onde são mais necessários. Conheço alguns, mas há uma médica, ainda jovem, muito boa, que não tem nem quer consultório; só trabalha em hospital e, quando aparece lá uma pessoa idosa com poucos recursos, ela mesma paga o transporte para que volte para casa e é sempre a essas que ela dá prioridade, fazendo de tudo para que o atendimento seja célere e atencioso. Conheço-a bem e admiro a sua dedicação; está no começo da vida e seria normal se quisesse ter um consultório para ganhar mais dinheiro, mas não! Como qualquer ser humano, também o médico precisa de pensar na vida, mas alguns exageram, trabalhando nos hospitais públicos, nos privados e ainda no consultório, não conseguindo dar a devida atenção aos doentes; as consultas duram uns 15 minutos e nem se preocupam em escutar o paciente que sai dali com a receita na mão sem, muitas vezes, saberem que problema têm. Já encontrei médicos desses, mas Pedro, não volto lá outra vez. É muito dificil a vida de um médico e não é fácil ver uma pessoa morrer " em seus braços ", mas creio que só os que têm vocação sofrem com isso; este Dr. Leôncio, com certeza sentiu muito a morte do seu paciente, mas continuará na tal cidadezinha, pois é ali que ele faz falta. Belo conto, Pedro, triste, mas muito realista. Um beijinho e tudo de bom, Amigo, principalmente no que respeita à saúde. Gostei muito! Obrigada!
ResponderExcluirEmilia
Sem dúvida que a vida de um médico é dura e atribulada, principalmente quando se depara com situações que não pode controlar, como a que este belo conto descreve.
ResponderExcluirParabéns, amigo Pedro!
Votos de uma excelente semana, com muita saúde.
Abraço amigo.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
No poder hacer nada por evitar la muerte, tiene que ser algo muy triste.
ResponderExcluirDedicación a los demás por parte de un médico que no tiene todos los medios a su alcance.
Un caso muy real es el que has reflejado en tu escrito.
Un beso. Feliz semana.
Que bela tensão você conseguiu, meu amigo Pedro, o resto é por conta do leitor que reflete sobre a vida de um profissional de saúde diante de outra vida (a esvair-se ou não)... O meu amigo Hélio Pólvora, um mestre do conto, diria o essencial aí está posto...
ResponderExcluirUm grande abraço, meu amigo Pedro!
Amazing blog
ResponderExcluirA morte espreita a vida e faz parte dela, inexorável, "essa moça", chega e arrebata a criatura; com ou sem aviso; lenta ou rápida, ela desconsidera tudo e qualquer um, simplesmente, exerce o seu mister.
ResponderExcluirObrigado, amigo, por sua visita e comentário lá no blog.
Um abraço. Tudo de bom.
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Um conto muito bom e realista, gostei de ler.
ResponderExcluirBom resto de semana, caro amigo Pedro.
Abraço.
Mesmo nos lugares mais recônditos a vida de um médico tem episódios atribulados!...
ResponderExcluirGostei imenso de ler este conto! Beijinhos! Continuação de uma boa semana!
Ana
Bom dia Pedro,
ResponderExcluirUm conto magnífico, que me sensibilizou.
A vida é tantas vezes assim e nem sempre tem um final feliz.
De realçar o profissionalismo e nobreza de caráter do Dr. Leoncio.
Gostei muito.
Beijinhos
Ailime
Caro Pedro
ResponderExcluirNeste conto, o autor não nos dá um vislumbre sequer do que pensa o médico
ao presenciar a morte do paciente. Portanto, teremos de nos valer
das nossas suposições...
Fria a reacção do médico, habituado a situações como essa?
Fechar-lhe os olhos, cruzar-lhe as mãos sobre o peito; Atitudes
respeitosas, mas não mais que isso. Diríamos...
Mas quero crer que há algo mais nos seus gestos.
No seu silêncio, olhando fixamente a estrada, consigo
adivinhar-lhe uma alma compassiva...
Belo conto, meu amigo. Como sempre, ansiamos por uma solução obvia, por um
final que nos agrade, mas é mesmo assim, nem sempre há respostas
para tudo. É a vida!
Abraço
Olinda
Este cuento parece que lo sitúas en un lugar remoto de Brasil, pero bien pudiera pasar en otro lugar.
ResponderExcluirMe ha gustado mucho.
Saludos.
Muito perfeita sua descrição do ambiente numa estação de baixa temperatura, bem como deixa evidente a carência do local e ainda mais de um hospital incapaz de atender uma emergência. A decepção do médico em si sentir impotente de exercer sua nobre função. A morte é só um atestado da fragilidade do local e o médico se cala.
ResponderExcluirMuito bom conto que deixa no leitor as curiosidades de um bom conto.
Um bom fim de semana Pedro e com muita paz na familia.
Abraços
Olá, amigo Pedro,
ResponderExcluirPassando por aqui, relendo este excelente poema que muito apreciei. E desejar um Feliz fim de semana, com muita saúde.
Abraço amigo.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
Lo acompaño a morir, lo único que quedaba por hacer en ese lugar. Es también labor de buen médico, ojalá y todos recordaran su juramento de aliviar el dolor y no se endiosaran con el poder de la bata blanca. Gracias por compartir Pedro, cuantas historias habrán en el interior de todo país con escasos recursos.
ResponderExcluirMorei no interior cujo médico era o dono da farmácia local.
ResponderExcluirParecia saber tudo de todos.
Hoje em dia, temos o PSF onde acontece algo parecido. Os de menos recursos são até mais favorecidos.
Médico é uma profissão nobre, mas muito desgastante se assumida por Amor.
Até mesmo nos planos de saúde tem quem não exerça a profissão por vocação o que não era o caso do médico descrito em seu conto.
A vocação abraçada implica em muita renuncia e problemas insolúveis.
Tenha um final de semana abençoado, amigo Pedro!
Abraços fraternos de paz
Este Conto mais se assemelha a um relato real, pois desnuda o que na realidade vai acontecendo aqui e ali.
ResponderExcluirAdorei o realismo da História feita Conto.
Parabéns.
Abraço
SOL da Esteva
Ciertamente y por desgracia, este tipo de relatos se suelen dar en algunos países carentes de recursos donde la vida poco importa. El médico, obro bien y cumplió con su juramento, aunque nada pudo hacer por la vida de ese desdichado.
ResponderExcluirUn fuerte abrazo Pedro y buen fin de semana.
Olá, Pedro! Fiquei aqui imaginando a realidade de muitos médicos de nosso país, as consequências desastrosas das ações humanas! Onde iremos parar?
ResponderExcluirObrigada pela partilha desta belíssima crônica, meu caro!
A labuta diária de um médico de uma cidade de interior que sem os devidos recursos apoia o doente e com ele fica a esperar para que o devido atendimento venha ocorrer. Nos centros urbanos, hoje, já temos situações em que por falta de recursos o médico se sente impotente, mas de imediato já tem que socorrer a outro e o paciente fica só, aguardando os próximos passos. Conto bem real. Abços
ResponderExcluirDeve ser terrível por parte de profissional de saúde viver uma situação assim...
ResponderExcluirGostei do conto, sim
Meu caro amigo, bom domingo e feliz semana.
O meu abraço amigo
Magnífico o teu conto,
ResponderExcluirMeu prezado Pedro Luso.
No interior, é confuso
Ser médico, por esse ponto...
E há que se dar o desconto
Dado recurso obtuso
Sem UTI e sem uso
Do que precisa, é um tonto.
É tragédia sem conforto
Ver em suas mãos um morto
Por falta de condição.
É nau que não acha porto
De arribação. Segue em torto
Rumo, sem leme e sem direção.
Gostei bastante do teu conto, amigo. Há humanidade deixou de ler para assistir vídeos, memes, ouvir áudios. Ler mesmo, só pensamentos e frases. O texto literário que sobrevive e prolifera são os minicontos e mini-crônicas. O teu é uma luva elástica que serve a todos. Parabéns! Abraço fraterno. Laerte.
Olá, amigo Pedro,
ResponderExcluirSem dúvida alguma que a vida de médico é muito atribulada, principalmente neste contexto de pandemia.
Votos de uma excelente semana com muita saúde.
Abraço amigo.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com