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24 de mar. de 2023

A MINHA POESIA - Pedro Luso de Carvalho


Pablo Picasso - O Velho Guitarrista Cego


  

  A MINHA POESIA

      – Pedro Luso de Carvalho




Poesia, minha força na noite,

modo sereno de o medo afastar,

há perigo à espreita na noite,

perigo de punhais na noite,

tantos ataques mortais.



Poesia, biombo onde me escondo,

pés alados para voo entre nuvens,

a minha renúncia à luta inglória –

aos vilões minha ira, meu repúdio.



Poesia até o meu último canto,

até o último degrau da escada.

Ainda é meu farol a poesia,

iluminando as ruas aonde ando.





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12 de mar. de 2023

A INGRATIDÃO – Pedro Luso de Carvalho


Gianni Strino / Nápolies1953



A INGRATIDÃO

       – Pedro Luso de Carvalho



Serão ingratos todos os infelizes,

essas pessoas desafortunadas,

essa gente que pensa só em si,

mostra clara da infelicidade.


Então seja mostrada a gratidão,

a quem ajudou curar a ferida,

a quem dividiu o pouco que tinha,

sem nada pedir e nada esperar.


Mas para grande ajuda, reação

pelos grandes favores recebidos.

Sentimento de infelicidade,

essa indesejada contradição.


Ajuda e gratidão se completam,

ajuda é ato de humanidade,

gratidão é seu reconhecimento,

no ato e no gesto altruísmo e fé.




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4 de mar. de 2023

DE VOLTA À CASA – Pedro Luso de Carvalho

 

Vincent Van Gogh - 1853 / 1890 - Oliveiras com sol amarelo



   DE VOLTA À CASA

              – Pedro Luso de Carvalho





Não se anda só nesta longa estrada,

onde se vê à frente o horizonte,

aquela fina linha distante,

que some nas cores do crepúsculo.


E mesmo que se pense sozinho,

no momento o único na trilha,

alguém virá com a mão estendida

para todos queixumes ouvir.


E se uma noite estiver escura

a outra será noite de lua,

farol iluminando o caminho

para passos seguros na noite.


Não se anda só nesta longa estrada,

o horizonte agora fica perto,

é que perto já se está de casa

depois de dia e noite na estrada.





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22 de fev. de 2023

A MULHER DE MEIA-IDADE - Pedro Luso de Carvalho

 

Marie Thérèse Walter / 1939 - Picasso




- ESPAÇO DA CRÔNICA -



            A MULHER DE MEIA-IDADE

                          - Pedro Luso de Carvalho



Sei que me lembrarei em todas as eleições daquela mulher de meia-idade, que conheci na seção eleitoral em que voto, há pouco mais de quatro anos, quando se deu a última eleição para a Presidência da República, Senado e Câmara Federal.

Por estar ela ainda bem viva na memória, pressinto que nos encontraremos na mesma seção eleitoral, no dia 3 de outubro de 2024, quando votaremos para escolher prefeito e vereadores do município de Porto Alegre.

É bem verdade que é meu desejo encontrar aquela mulher, como é verdade que não tenho nenhuma vontade de ir às urnas para depositar o meu voto, por não sentir nisso nem emoção nem interesse.

É verdade que me sinto inquieto quando penso em encontrá-la, em razão dos fatos ocorridos naquela época, há quatro anos. Estará bem, a mulher de meia-idade?

Parece-me que foi ontem que a vi apoiada em duas muletas, fazendo um esforço sobre-humano para chegar à seção em que votava, pois já estava na hora de terminar a votação. Faltavam apenas dois minutos.

A mulher apoiava-se nas muletas e as lançava para diante do corpo para depois se impulsionar para frente, completando a caminhada ao puxar as pernas atrofiadas, que eram arrastadas por ela.

Naquele momento, tive o ímpeto de ajudá-la para que ela pudesse chegar a tempo à urna, mas logo desisti desse intento, pois entendi que ela poderia desaprovar o meu pretenso gesto.

No dia das eleições, 3 de outubro, pretendo ficar em frente ao prédio da seção eleitoral, em que ela e eu votamos, na esperança de encontrá-la. Quero rever essa mulher tenaz, que a vi se arrastar para votar.

Ficarei no pátio do prédio, à sombra de uma figueira, onde votarei – por ser o voto obrigatório –, à espera daquela obstinada mulher de meia-idade, se é que ela ainda tem alguma esperança nos políticos.




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5 de fev. de 2023

[Poesia] LIÇÕES DO TEMPO – Pedro Luso de Carvalho

 

Salvador Dali - A Persistência da Memória - 1931




         LIÇÕES DO TEMPO

                      – Pedro Luso de Carvalho




Eis o tempo que chega apressado,

quando tenho ainda novos projetos,

alguns de fácil execução,

mas chega o tempo qual furacão.


Eis o tempo que chega apressado,

quando dele não me dava conta,

nem pensei que chegasse ligeiro,

mas é fato que chegou inteiro.


Eis o tempo que chega apressado,

chega ligeiro demais o tempo,

como passa o vento na planície,

tudo tão real e sem sandice.


Eis o tempo que chega apressado,

que me esqueci de tantos projetos,

do que fiz e deixei de fazer,

quase não me lembrei de viver.


Eis o tempo que chega apressado,

vejo então tudo que fiz demais,

não fiz o que devia ter feito

e já é tarde não tem mais jeito




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26 de jan. de 2023

[Poesia] SÚPLICA - Pedro Luso de Carvalho

 

Pedro Weingartner - Má Colheita 1889 - RS / Brasil




          SÚPLICA

                       - Pedro Luso de Carvalho




Volto, com minha mão estendida,

para pedir que me atendas

nesta súplica.



Peço que me deixes compartir,

como antes, do leito

e dos sonhos.



Dos mundos que lá ficaram trago

sombras de punhais e lâminas,

de sangue enodoadas.



(A morte, em sombrios tempos,

fez-se presente nos labirintos

de minhas noites.)



Trago hoje, daquelas distâncias,

além do meu pálido rosto,

o sentimento perdido.



Entrego-te agora, sob a luz dourada

deste sol, esse amor imenso

e a rosa branca, que colhi.




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15 de jan. de 2023

[conto] A TRAIÇÃO – Pedro Luso de Carvalho

 

Os Amantes - René Magritte / 1928



A  TRAIÇÃO

                                       - Pedro Luso de Carvalho



Aristides Borba sente-se desconfortável quando o amigo diz que precisam conversar. Pelo tom de sua voz, pressente notícia ruim.

Você pode me adiantar o assunto? – pergunta Aristides, sem esconder a ansiedade.

Não posso, pelo telefone é arriscado.

Aristides aborrece-se com o amigo. Pesa-lhe ainda hoje o medo, que tantas vezes sentiu na escola. Agora, aos quarenta anos, sente-se igualmente atemorizado.

Amanhã fica bem? – pergunta-lhe o amigo.

Fica bem, sim!

Marcam o encontro para o Clube do Comércio, às quatro da tarde.

Aquela noite de Aristides foi um verdadeiro inferno. Ainda muito cedo, Cleuza chama-o para o café.

Não conseguiu dormir, homem?

Mal preguei os olhos – responde, sem olhar para a mulher.

Há algum tempo, Aristides não vai ao Clube do Comércio. Foi lá que comemorou a sua formatura pela faculdade de arquitetura. Depois disso, sempre que pode aparece para algumas doses de uísque. Ali fez muitos amigos, conheceu Cleuza, e com ela comemorou o primeiro aniversário de casamento.

Aristides chega ao clube às quatro horas. Acomoda-se numa mesa distante da porta. Pede ao garçom duas doses de uísque, uma para ele e outra para o amigo, que acaba de chegar.

Como lhe disse ao telefone, o assunto é delicado – diz o amigo, depois de alguns goles.

Então, homem, diga logo do que se trata!

O amigo ajeita-se na cadeira e começa a contar que a mulher de Aristides tem um amante, há mais de dois anos.

Só não sei o nome dele – diz sem mudar o tom da voz.

Aristides ouve sem esboçar um único gesto. A palidez dá-lhe a aparência de morto. Depois do impacto, olha envergonhado para o amigo.

Eu vou descobrir quem é esse canalha...

Sem terminar a frase, Aristides cai da cadeira, já sem sentidos. A ambulância leva-o para o hospital, rapidamente.

Depois de algum tempo, o amigo faz uma visita a Aristides, em sua casa. Ao lado da cama, Cleuza segura a mão do marido, que se recupera do enfarto.

Mais tarde, o amigo tem notícias de Aristides. Está aposentado, devido à doença, passeia pelo bairro com Cleuza, sai sozinho, duas vezes por semana, para caminhar com outros aposentados, no Parque Farroupilha.

Disseram também, ao amigo, que quando Aristides Borba sai de casa, nesses dois dias da semana, à tarde, Cleuza aproveita o tempo de ausência do marido para se encontrar com alguém.

Soube ainda, o amigo, pela mesma fonte, com a devida reserva, que, quando Cleuza retorna à casa, já sob o manto do crepúsculo, dá ao marido sempre a mesma explicação:

Aristides, meu bem, hoje fiz minha visitinha àquela querida amiga, de quem sempre te falo, estás lembrado?




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3 de jan. de 2023

[Poesia] PRIMAVERA – Pedro Luso de Carvalho

 





PRIMAVERA

     - Pedro Luso de Carvalho





De onde vem esse vento,

que a tudo espanta

e que leva dos varais

encardidas consciências –

roupas surradas

feito esperança perdida?



Para que serve esse vento

assim, feito remorso

e pecado?

Para que serve esse vento

com ruído de agouro

e de morte?



Esse vento veio roubar

do tempo, o inverno

frio, feito maldade,

e levar a tristeza, gelo d’alma,

para setembro florir

na Primavera.





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18 de dez. de 2022

[Filosofia] O PRESUNÇOSO - Pedro Luso de Carvalho



O Grito - Iberê Camargo

 



O PRESUNÇOSO

            - Pedro Luso de Carvalho




Nosso tema sobre a presunção foi em parte inspirado no pensamento de Jean de la Bruyère. O filósofo nasceu no ano de 1645, em Paris, e morreu em 1696, em Versalhes. Sua obra, Os Caracteres, foi concebida segundo uma tradução do grego Teofrasto. Nela La Bruyère retrata a sociedade francesa, às vezes de forma cruel, numa época em que esta passava por uma transformação plena, com a decadência das tradições morais e culturais. La Bruyère passou a integrar a Academia Francesa em 1693.

Diz Alcântara Silveira, tradutor e responsável pela introdução do livro Os Caracteres: “A sociedade francesa, sob o reinado de Luís XIV, teve em La Bruyère o seu melhor pintor, às vezes amargo, às vezes satírico, às vezes revoltado. Mais eloquente que La Fontaine, Boileau ou Molière”. (in, Jean de La Bruyère. Os Caracteres. São Paulo: Editora Cultrix, 1965).

La Bruyère escreve sobre o presunçoso: “O estúpido é um presunçoso exagerado. O presunçoso cansa, aborrece, enjoa, desagrada; o estúpido desagrada, exaspera, irrita, ofende: começa por onde o outro termina. O presunçoso está entre o estúpido e o tolo: compõe-se de um e de outro”.

Posto isso, vêm-nos à mente a pergunta: o que nos pode oferecer a pessoa presunçosa, se para ela o mundo externo – o mundo das outras pessoas – praticamente não existe? Nada pode ser esperado dessa pessoa presunçosa porque para ela somos apenas os ‘outros’, pessoas de pouca importância. O presunçoso lembra-se de nós apenas quando planeja auferir lucro às nossas custas.

Uma das características do presunçoso é a capacidade que têm para impor suas ideias, pela necessidade interior de mostrar-se importante; descobre ao longo dos anos técnicas para envolver as pessoas – alvos de suas ações. Obstinado, não mede esforços para atingir seus objetivos. Artista na arte de convencer, de impor suas falsas verdades, não se importa com o mal que possa causar às pessoas que o cercam. O seu “Eu” é grande demais para que possa pensar em outras pessoas, que não seja ele próprio.

É sabido que quem se deixar influenciar pelo presunçoso sempre terá o que perder, e não pense, em nenhum momento, que terá alguma coisa a ganhar com ele, que, como diz La Bruyère, é pessoa que jamais elogia, que censura sempre, que não está contente com ninguém, e que, por isso, é pessoa com quem ninguém simpatiza.




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5 de dez. de 2022

[Poesia] A REVOLTA DA NATUREZA – Pedro Luso de Carvalho

 

José Cesário / Costa de mar




    A REVOLTA DA NATUREZA

                    Pedro Luso de Carvalho


 

Quando a Natureza for rejeitada

e ecoarem infinitos trovões,

quanto bastem para o acerto de contas,

pelos impensados atos dos homens.



Os trovões explodirão vezes repetidas,

seguidos de muitos relâmpagos, fachos

penetrantes de luz, para que os homens

enlouqueçam – condenação merecida.



A terra ficará então ressecada e sem frutos,

os rios adormecidos em seus míseros leitos,

os lagos apenas pequenos pontos d’água,

as florestas serão cemitérios de riquezas,



os oceanos com suas histórias de navios

e de gente serão o túmulo maior,

o céu ficará toldado por corrosiva fuligem

e do sol não mais existirá calor e brilho.





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24 de nov. de 2022

[Poesia] A NOITE – Pedro Luso de Carvalho

 






A NOITE

Pedro Luso de Carvalho




A janela do quarto,

na semiobscuridade,

bate repetidamente.



É o vento

trazendo lembranças

e fantasmas

das lonjuras do tempo.



Vento forte

quebrando a solidão

do bronze das estátuas,

esquecidas

nas praças desertas.



A cidade dorme

com suas feridas expostas.






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12 de nov. de 2022

[Poesia] CAMINHANTES – Pedro Luso de Carvalho

 




CAMINHANTES

– Pedro Luso de Carvalho




Eu preciso escolher o meu caminho,

mas para isso necessito de ajuda,

pois me custa fazer isso sozinho,

o que está feito logo tudo muda.


Quero saber onde posso pisar,

dos meus pés sei da força e da fraqueza,

e que gente de paz possa encontrar,

neste caminho de tanta incerteza.


Dos caminhantes ouvirei lamentos,

sob a luz da lua ou do sol que brilha,

queixas e poeira que somem no vento,

conversas que se estendem na trilha.


E quando no meu destino chegar,

de alma leve mas de corpo moído,

ajeito o corpo para descansar,

e depois tudo será esquecido.





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