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Os Amantes - René Magritte / 1928 |
A TRAIÇÃO
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Pedro Luso de Carvalho
Aristides
Borba sente-se desconfortável quando o amigo diz que precisam
conversar. Pelo tom de sua voz, pressente notícia ruim.
– Você
pode me adiantar o assunto? – pergunta Aristides, sem esconder a
ansiedade.
– Não
posso, pelo telefone é arriscado.
Aristides
aborrece-se com o amigo. Pesa-lhe
ainda hoje o medo, que tantas vezes sentiu na escola. Agora, aos
quarenta anos, sente-se igualmente atemorizado.
– Amanhã
fica bem? – pergunta-lhe o amigo.
– Fica
bem, sim!
Marcam
o encontro para o Clube do Comércio, às quatro da tarde.
Aquela
noite de Aristides foi um verdadeiro inferno. Ainda muito cedo,
Cleuza chama-o para o café.
– Não
conseguiu dormir, homem?
– Mal
preguei os olhos – responde, sem olhar para a mulher.
Há
algum tempo, Aristides não vai ao Clube do Comércio. Foi lá que
comemorou a sua formatura pela faculdade de arquitetura. Depois
disso, sempre que pode aparece para algumas doses de uísque. Ali fez
muitos amigos, conheceu Cleuza, e com ela comemorou o primeiro
aniversário de casamento.
Aristides
chega ao clube às quatro horas. Acomoda-se numa mesa distante da
porta. Pede ao garçom
duas doses de uísque, uma para ele e outra para o amigo, que acaba
de chegar.
– Como
lhe disse ao telefone, o assunto é delicado – diz o amigo, depois
de alguns goles.
– Então,
homem, diga logo do que se trata!
O
amigo ajeita-se na cadeira e começa a contar que a mulher de
Aristides tem um amante, há mais de dois anos.
– Só
não sei o nome dele – diz sem mudar o tom da voz.
Aristides
ouve sem esboçar um único gesto. A palidez dá-lhe a aparência de
morto. Depois do impacto, olha envergonhado para o amigo.
– Eu
vou descobrir quem é esse canalha...
Sem
terminar a frase, Aristides cai da cadeira, já sem sentidos. A
ambulância leva-o para o hospital, rapidamente.
Depois
de algum tempo, o amigo faz uma visita a Aristides, em sua casa. Ao
lado da cama, Cleuza segura a mão do marido, que se recupera do
enfarto.
Mais
tarde, o amigo tem notícias de Aristides. Está aposentado, devido à
doença, passeia pelo bairro com Cleuza, sai sozinho, duas vezes por
semana, para caminhar com outros aposentados, no Parque Farroupilha.
Disseram
também, ao amigo, que quando Aristides Borba sai de casa, nesses
dois dias da semana, à tarde, Cleuza aproveita o tempo de ausência
do marido para se encontrar com alguém.
Soube
ainda, o amigo, pela mesma fonte, com a devida reserva, que, quando
Cleuza retorna à casa, já sob o manto do crepúsculo, dá ao marido
sempre a mesma explicação:
– Aristides,
meu bem, hoje fiz minha visitinha àquela querida amiga, de quem
sempre te falo, estás lembrado?
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