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18 de ago. de 2010

[Conto] MOACYR SCLIAR - Milton e o Concorrente



                    por Pedro Luso de Carvalho


        Moacyr Scliar, médico e escritor, nasceu a 23 de março de 1937, em Porto Alegre (RS), no Bom Fim, bairro no qual predomina a comunidade judaica. Em 31 de julho de 2003 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31. Na sua posse na ABL, em 22 de outubro de 2003, foi recebido pelo poeta gaúcho Carlos Nejar.

        O conto que segue, Milton e o concorrente integra o livro O anão e a telvisão, de Moacyr Scliar, publicado pela Editora Globo, em 1979: 

                                                    
                                                         
                                            
                                                  MILTON E O CONCORRENTE
                                                                                                                              (Moacyr Scliar)



        Milton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços baixo do custo. Milton ainda está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão. A esposa – fiel companheira de tantos anos – está a seu lado, alerta também. Milton ainda não fez o desjejum (desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é desjejum?) - o concorrente já tomou suco de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite. Já está nutrido.

         Milton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente vestido.

         Milton mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par das cotações da bolsa e das tendencias do mercado. Milton ainda não disse uma palavra, o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os fornecedores. Milton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas de transito, já chegou ao centro da cidade, já está solidamente instalado no seu prédio próprio. Milton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Milton ainda não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou as filhas, já formou-as em Direito e Química, já as casou, já tem netos.

         Milton ainda não começou a viver.

         O concorrente já está sentindo uma dor no peito, já está caindo sobre o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados – já esta morrendo, enfim.


                                                          * *  *

3 comentários:

  1. Moacyr Scliar é mesmo muito bom! Anteontem assisti sua entrevista no Roda-Viva da Cultura. Não sei se passa aí. Excelente entrevista, excelentes respostas. Um grande escritor!

    Esse conto eu não havia lido!
    Valeu, Pedro.

    abço
    Cesar

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  2. Pedramigo

    Já há uns tempos que não vinha até cá, entretido que ando com o que pretendo venha a ser um novo livreco. Uns quantos textículos, com x, que o integrarão, tenho vindo a publicálos lá no meu barraco.

    Hoje, chego aqui uma vez mais com muito prazer.Moacyr Scliar é um escritor magnífico. Os seu contos fabulosos. E tu escolheste um que é um espantoooooooooo, como dizia o Jô Soares. Muito obrigado.

    Um pedido: passa pela Travessa para veres os textículos; obrigado

    Qjs à Tais e abs para tu

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  3. Estou lendo dele com a Ana Maria machado "Amor em texto, amor em contexto", bem interessante. E agora encontro "Milton e o conorrente". Como sempre, boas leituras faço aqui...


    abraços

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Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho