– Pedro Luso de Carvalho
Eu era ainda estudante da faculdade de Direito quando tive a grata oportunidade de conhecer, pessoalmente, Mario Quintana. Isso ocorreu sem qualquer planejamento. Tudo foi quase por acaso.
Naquele dia, em que caminhava pela Rua da Praia, o que menos poderia me ocorrer seria encontrar-me com Mario Quintana. Para colocar as coisas no seu devido lugar, vamos deixar uma coisa bem clara: eu nunca havia feito planos para ser apresentado ao poeta. Isso estava fora de cogitação.
Não tivesse encontrado a jovem e talentosa jornalista, que trabalhava para o jornal Correio do Povo, de quem me tornara amigo, há mais de ano (naquela época), o convite dela para conhecer o nosso estimado poeta, apanhou-me de surpresa.
– Apresentar-me o Mario Quintana? – perguntei.
Diante dessa pergunta e da inflexão dada por mim, a jornalista não escondeu o riso.
– Vamos até o jornal, ele não vai te morder.
– Então, seja o que Deus quiser.
E lá fomos nós, pela Rua da Praia. Na esquina com a Caldas Júnior – rua que se tornou famosa por sediar o jornal Correio do Povo e a rádio Guaíba – fizemos uma inflexão para a direita. Estávamos já diante do prédio do jornal.
– Tenho que ir mesmo?
– Vamos subir, agora mesmo – disse a jornalista.
A redação do jornal ficava no primeiro andar. Lá, Quintana escrevia sua coluna, como fazia durante toda semana. Em frente ao elevador, ela apertou o já gasto botão de madrepérola. O antigo elevador não demorou a chegar.
A porta de gaita, do velho elevador, abriu-se diante de nós, fazendo um barulho estridente. O educado ascensorista fez um gesto com a mão, sinalizando para entrarmos. Deixou-nos no andar da redação.
– É por aqui – disse a jornalista, já no corredor.
Da porta, vi uma sala muito grande, com várias mesinhas enfileiradas. Só não consegui enxergar o Mario Quintana. Andamos um pouco mais. Passamos pelos jornalistas, que escreviam seus textos, nas suas velhas máquinas. As repetidas batidas nas suas teclas arredondadas causavam um som estridente e nervoso.
Mais uns passos, e logo nos deparamos com o poeta. Estava sentado frente à sua mesa, soltando baforadas. O cigarro aceso fazia desenhos no ar, na medida em que o poeta gesticulava. Do cigarro, já quase no fim, desprendia-se uma linha fina de fumaça em espiral. Ao lado da máquina, na qual escrevia, um gordo cinzeiro exibia suas guimbas.
– Hoje vai ser o meu grande dia – pensei.
A jornalista aproximou-se de Quintana, com intimidade, quase nas pontas dos pés. Com ela em sua frente, não se demorou a levantar. Fiquei ao lado deles, no pouco tempo em que conversaram. Com discrição, olhei para o poeta, que me pareceu tratar-se de um homem simples. Era mais baixo do que imaginava. No seu rosto, nenhum traço que pudesse indicar qualquer sentimento.
– Mario – disse a jornalista – trouxe um amigo para te apresentar...
Solícito, estendi a mão para o poeta. Sua mão mal tocou a minha, nesse cumprimento.
– Muito prazer, seu Quintana.
– Prazer! – respondeu.
Sua voz era quase inaudível. Seu olhar estava fixo na janela, de onde se via a rua. Demorou muito pouco para que a mão do poeta tateasse as costas de sua cadeira, onde logo iria sentar-se. O papel ali, na máquina, era o que lhe interessava.
– Vamos?! – sussurrou a jornalista, puxando-me pela manga do paletó.
Depois de muitos anos decorridos, a contar daquele rápido encontro com Mario Quintana, fiz esta descoberta: no mundo mágico dos poetas, que é feito de sonho e solidão, não há lugar para estranhos e importunos.
"Não vou me enganar mais" – admiti resoluto –, naquele dia em que fomos apresentados, Quintana não disse “prazer”, quando lhe estendi a mão.
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Meu caro Pedro,
ResponderExcluirFaltou “muito” para tornar-se um grande encontro entre o poeta e você. Mas lhe rendeu este bonito texto: sensível crônica. Os poetas são ilhas de sombras; sempre ausentes; águas fundas e misteriosas. Sem dúvida, vemo-los melhor de longe, quando estão a sonhar de olhos fechados.
Um grande abraço, meu amigo!
Caro Pedro,
ResponderExcluirEu sou tomado de arrebatamento e de admiração pela literatura e pela pessoa do “passarinheiro Mário Quintana”, um homem detalhista, que queria o acento agudo devidamente postado em seu nome.
Como sei que o amigo não deva ter observado esta postagem do ®DOUG BLOG, indico esta leitura:
https://blog-dougblog.blogspot.com/2020/04/voce-conhece-o-mario-mario-de-miranda.html
Bela postagem!
Um abraço... Vacina sim... Saúde sempre! - e cuide-se!!!
Que situação amigo Pedro.
ResponderExcluirEm curto tempo tantas emoções e uma conclusão sobre os poetas.
Quintana ao vivo deveria ser muito interessante.
Meu abraço de paz amigo.
Vamos nos cuidar nesta onda que se elevou.
Un'importante conoscenza di un grande poeta, porta anche un po' alla conoscenza del suo schivo carattere, i poeti rispondono al loro ego, alla loro interiorità, ma non fanno caso a coloro che gli passano accanto. Sono chiusi in loro stessi e nel loro mondo e, questo basta a vivere la loro vita solitaria, colma dei loro sogni nell'osservare ciò che vogliono trasmettere. Malgrado la freddezza di Santana, fu un grande giorno ugualmente, poterlo conoscere da vicino, così amico Pedro lo hai fatto conoscer anche un po' a noi lettori che ti seguimo da questa parte del mondo. Il tuo portarci a conoscenza di poeti e scrittori che conosci, mi affascina e leggo sempre volentieri i tuoi scritti. Un augurio di una settimana serena con un abbraccio da Grazia amico Pedro. Ad majora.
ResponderExcluirMolto speciale la carrelata di autori che stai presentando alle nostre attenti letture
ResponderExcluirCari saluti, Pedro,silvia
Que crônica bem escrita. Ficamos tristes quando acabou, assim como o teu encontro com ele, deves ter sentido essa tristeza! Quintana é Quintana... Devioa estar tentando colocar no papel alguma inspiração! Adorei te ler! abração,chica
ResponderExcluirPuedes sentirte orgulloso de haber podido acercarte y estrechar la mano de tan importante poeta, no todas las personas podrían contar lo que tú hoy has compartido con todos nosotros.
ResponderExcluirCariños y buena semana.
Kasioles
Una experiencia para no olvidar.
ResponderExcluirLástima que un gran autor actúe de forma tan decepcionante.
Me gustó mucho leerte.
Un beso.
Excelente publicação. Amei :))
ResponderExcluir*
Silêncios... d'outras paragens...
*
Beijos e uma noite feliz
Adoro de paixão Mário Quintana!
ResponderExcluirAbraço e bom final de semana
oi, Pedro, que belo encontro! digo isto porque o que se espera de um poeta não é que ele seja autêntico? Um poeta é como um artista que se fecha em seu trabalho em pleno exercício de sua criação...talvez um pouco aéreo perdido em pensamentos. Se assim não fosse não seria uma experiência para recordar .
ResponderExcluirUm abraço
Estranho encontro, o Papa seria mais solícito.
ResponderExcluirSerá que todos os poetas e escritores em geral são egocêntricos? Eu penso que não, mas talvez a maioria o seja de facto.
Gostei da sua crónica, como sempre.
Bom fim de semana, caro amigo Pedro.
Abraço.
Pedro,
ResponderExcluirAdorei a sua narrativa, fiquei suspensa até ao final e senti tal como o meu amigo, alguma decepção.
Ficamos sempre muito expectantes, quando vamos conhecer pessoalmente alguém que admiramos.
Penso que os artistas em geral e neste caso o poeta, vivem num mundo muito particular. Mas, valeu, deu uma belíssima crónica.
Um beijinho e continuação de bom fim de semana!
Fê
Amigo, Pedro, pela excelência de sua crônica, ouso afirmar que o grande poeta perdeu um possível bom dedo de prosa. De qualquer forma foi marcante e lembra dos detalhes, tudo isso é uma riqueza no conjunto das coisas que aprendemos na vida.
ResponderExcluirParabéns pela crônica, perfeita! Abração!
Querido amigo poeta Pedro, parabéns pela crônica bem escrita, tens esse maravilhoso talento além de ser um poeta sensivel que és e admiro!
ResponderExcluirAmei ler!
Mas te digo, quero crer que os poetas sejam todos sensíveis e bem educados, pois você é muito educado que até justificou o ato, que pena que costumamos endeusar as pessoas que admiramos, hoje eu também não endeuso todos, vou mais pela sensibilidade, assim como você!
Abraços bem apertados querido amigo!
Pedro,
ResponderExcluirÉ sempre um mistério
conhecer alguém
que já ouvimos falar
ou que nos é caro.
Eu aprendi a nunca
criar expectativas.
Lindo e verdadeiro
seu texto. Um vez aconteceu
comigo, me apresentaram alguém
e ela segurou minha mão demoradamente
enquanto perguntava: é você mesmo?
Eu sorri sem jeito, mas foi complicado
soltar nossas mâos...
Bjins
CatiahoAlc.
Uma crónica excelente. A sua vontade de falar com Mário Quintana era imensa. Mas...
ResponderExcluirCuide-se bem, meu Amigo Pedro.
Uma boa semana.
Um beijo.
Gostei muito de ler. Qualquer pessoa jovem ou não iria ficar encantado com a possibilidade de conhecer e falar com Mário Quintana. Calculo que deve ter saído de lá um tanto frustrado.
ResponderExcluirAbraço, saúde e boa semana
Olá, Elvira, gostei muito de ter conhecido pessoalmente nosso grande poeta, jovem universitário que era, já com alguns escritos guardados na gaveta, e outros publicados em jornais, no tempo em que estudava no curso médio (antigo clássico), conhecer Mario Quintana deu-me, apenas, muita satisfação.
ExcluirGrande abraço.
Boa noite, caro Pedro,acabei de ler sua postagem ,mas voltarei amanhã para comentar. Boa noite!
ResponderExcluirMuchos recuerdos me han asaltado mientras seguía su itinerario, conocimiento y despedida del poeta, paseo en el que un joven Pedro tuvo ocasión de enterarse de que, a menudo, un poeta es un ser que vive ensimismado, anidando dentro de sus frases y en la búsqueda de esa palabra que habrá de ser precisamente "esa" y no otra. Como experiencia de poeta novel y aviso de dónde no caer,impagable.
ResponderExcluirSaludos
os mitos e os heróis têm (quase) sempre pés de barro...
ResponderExcluirquero acreditar que a tua amiga, já vira cair muitos mitos
uma bela e elegante de que gostei muito.
grande abraço. meu ilustre amigo, Pedro Luso
"uma bela e excelente cónica" deve ler-se...
Excluirpeço desulpa.
Que texto lindo, meus parabéns.
ResponderExcluirArthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com
Bom dia, amigo Pedro.
ResponderExcluirUma crônica muito interessante, eu adoraria ter conhecido pessoalmente,Mário Quintana, porém como você muito bem nos esclareceu, os poetas e escritores vevem em um mundo, no qual não cabemos.Tenho certeza, de que ele(Mário)sequer sentiu o que fez, estava divagando em sua escrita mental.
Admiro o trabalho dele, tenho vários poemas registrados em meus escritos. Obrigada por mais esta pérola da literatura, grande abraço!
O encontro do jovem e do velho poeta...
ResponderExcluirPenso que o Mário tinha uma enorme acuidade sensitiva e pode ter interpretado mal o seu desconforto...
Penso que não deveria ser muito sociável, era mesmo de coisas simples e deveria detestar estar fechado naquela barulhenta sala de redação, apesar de ser passarinho...
De qualquer modo, perdoa-se sempre o mau feitio de um poeta, pela sua obra, quando ela o define talentoso...
Gostei muito de ler o seu esmerado e fiel relato, Pedro.
Saúde e dias bons. Beijos, amigo.
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Antes que eu pudesse reler o comentário, foi publicado sem minha ordem...
ExcluirFicou assim o pleunasmo 'Penso...Penso' e o 'passarinho' sem aspas... |:))
Tudo bom, Pedro.
Passei para ver as novidades.
ResponderExcluirAproveito para lhe desejar um bom fim de semana, caro amigo Pedro.
Abraço.
Pedro, meu amigo poeta e prosador, adorei este texto!
ResponderExcluirPor timidez, ou pela interrupção do processo criativo, a reacção de Mário Quintana foi pouco simpática.
Mas, digo eu, o encontro valeu por duas razões: estiveste pertinho do poeta, ficaste com uma história para contar. E que bem tu a constaste aqui!
Beijo, bom fim-de-semana, em segurança.
Juraría que había ya comentado esta entrada, algún error ha tenido que haber.
ResponderExcluirCrees conocer un poeta a través de lo que ha escrito y te das cuenta en el contacto directo, que no es en realidad como tú lo pensabas.
Eso suele suceder, en nuestra mente nos forjamos una imagen que nunca corresponed con la realidad.
Besos
Olá, Pedro Luso
ResponderExcluirLi com muito prazer este seu texto. Rematou-o de forma magistral: "no mundo mágico dos poetas, que é feito de sonho de solidão, não há lugar para estranhos e importunos."
Fundamental apanhar a ideia logo que ela surja e que será, talvez, a pedra de toque para mais uma criação.
Abraço
Olinda
Gostei imenso, desta partilha especial, em que nos relata o fortuito encontro com este grande autor... talvez estivesse num dia menos efusivo... e pensativo sobre a crónica que ainda iria escrever... nunca conheci a sua personalidade... talvez ele estivesse numa fase, em que estaria um pouco desencantado/cansado com a ideia de escrever com dia marcado... creio que uma grande parte dos bons autores serão temperamentais... e produzir algo sistemáticamente... pode a longo prazo, começar a apresentar algum desgaste...
ResponderExcluirUm grande abraço! Feliz domingo!
Ana