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22 de set. de 2020

[Poesia] AUGUSTO DOS ANJOS – Ao meu pai morto



 

– PEDRO LUSO DE CARVALHO

 

AUGUSTO DOS ANJOS (Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos) era um dos quatro filhos de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, nasceu no Engenho de Pau D’Arco, junto à vila Espírito Santo, Estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu as primeiras letras com seu pai, advogado estudioso e dono de uma excelente biblioteca, na qual se encontravam obras de Darwin, Spencer e outros teóricos evolucionistas.

Em 1910, antes de mudar-se para o Rio de Janeiro, casou-se, aos 23 anos, com Ester Fialho, com quem teve dois filhos: Glória (1912) e Guilherme (1913). Faleceu aos 12 de de novembro de 1914, em Leopoldina – para onde se mudara para tratar da tuberculose – vítima de congestão pulmonar.

Cursou o secundário no Liceu Paraibano e Direito em Recife. Essa graduação, no entanto, não lhe serviu como profissão, já que nunca exerceu a advocacia, por não ser essa sua vocação, mas, sim, o magistério. Lecionou literatura no Liceu Pernambucano, e, depois, já no Rio de Janeiro, foi professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Daí mudou-se para Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, onde foi diretor de um grupo escolar.

Diz-se que Augusto dos Anjos compôs os seus primeiros versos aos sete anos de idade. Mas o certo é que, mais tarde, a crítica chegaria a reconhecer ser ele o mais original dos poetas brasileiros, e de que poucos haverá, como ele, tão originais na língua portuguesa. É bem verdade que, em vida, o poeta não pode sentir esse valor atribuído à sua poesia; esse reconhecimento só viria ocorrer anos mais tarde.

Exemplo de que o reconhecimento da excepcional obra poética de Augusto dos Anjos parecia ter tido pouco significado na época em que fez, às suas expensas e com a ajuda de seu irmão, a publicação de seu livro “Eu”, é contada por Francisco de Assis Barbosa, um dos mais importantes biógrafos do poeta:

Dias depois de sua morte, ocorrida em Leopoldina, Órris Soares e Heitor Lima caminhavam pela Avenida Central e pararam na porta da Casa Lopes Fernandes para cumprimentar Olavo Bilac. O príncipe dos poetas notou a tristeza dos dois amigos, que acabaram de receber a notícia. – E quem é esse Augusto dos Anjos – perguntou. Diante do espanto de seus interlocutores, Bilac insistiu: Grande poeta? Não o conheço. Nunca ouvi falar nesse nome. Sabem alguma coisa dele? Heitor Lima recitou o soneto Versos a um coveiro. Bilac ouviu pacientemente, sem interrompê-lo. E, depois que o amigo terminou o último verso, sentenciou com um sorriso de superioridade: - Era esse o poeta? Ah!, então, fez bem em morrer. Não se perdeu grande coisa.

A afirmação feita por Ivan Cavalcanti Proença, sobre Augusto dos Anjos, contraria o que disse dele Olavo Bilac: “Hoje, é um dos três mais lidos, e conhecidos poetas de antes do Modernismo, em língua portuguesa no Brasil, ao lado do nosso Castro Alves e da lírica Marília de Dirceu de Tomás António Gonzaga”.

Diz Alfredo Bosi, no seu livro A Literatura Brasileira O Pré-Modernismo, publicado em em 1966: “Augusto dos Anjos foi homem de um só livro: ‘Eu’, publicado em 1912, e cuja fortuna, extraordinária para uma obra poética, atestam as trinta edições vindas à luz até o momento em que escrevemos (1966)”.

Ivan Cavalcanti Proença enumera outras edições de Eu, de Augustos dos Anjos: a 29ª em 1963, pela Livraria São José, a 30ª (1965) e a 31ª (1971). Esta contou com o estudo de Antonio Houaiss e nota biográfica de Francisco de Assis Barbosa, com “Poemas Esquecidos” (Agrupados por De Castro e Silva em estudos de 1914 e 1954).

Acrescenta Proença, que, pela Editora Paz e Terra, saem duas edições: a de 1978, Toda a Poesia, com estudo de Ferreira Gullar e apresentação de Otto Maria Carpeaux (edição que reproduz a 31ª edição da livrariaitora São José). Em 1987 a Editora Civilização Brasileira lançou o livro Eu e Outras Poesias, com texto e notas de Antonio Houaiss, o Elogio... de Órris Soares, o Estudo biográfico de Francisco de Assis Barbosa. Além dessas edições, saíram as edições da Martins Fontes, em 1994, da Paz e Terra e Nova Aguilar, ambas em 1995.

O professor Sergius Gonzaga assim se manifesta sobre o poeta, em sua obra Curso de Literatura Brasileira: “Augusto dos Anjos é um caso a parte na poesia brasileira. Autor de grande sucesso popular foi ignorado por certa parcela da crítica, que o julgava mórbido e vulgar. Alguns estudiosos que se debruçaram sobre essa obra única e absolutamente original perderam tempo discutindo se a mesma era parnasiana ou simbolista. O domínio técnico e o gosto pelo soneto comprovariam o primeiro rótulo. A fascinação pela morte, a angústia cósmica e o emprego de ousadas metáforas, indicariam a tendência simbolista”.

Esse debate tornou-se obsoleto perante estudos mais apurados, como o de Ferreira Gullar, que acentua a modernidade dos versos de “Eu”. Diz Gullar: “Talvez nenhum outro autor do período merecesse tanto a denominação de pré-modernista como Augusto dos Anjos. Pré-modernista ele o é na mistura de estilos, na linguagem corrosiva, no coloquialismo e na incorporação à literatura de todas as sujeiras da vida”.

Durante muito tempo, discutiu-se se ele era ou não um grande poeta. Hoje, os estudiosos sublinham sua singularidade temática e linguística, mesmo reconhecendo eventuais deslizes. Alguns, contudo, lembram a morbidez e a vulgaridade desenfreada de várias composições. Pode-se gostar ou não de sua obra, mas sonetos como Versos Íntimos estão de tal forma entranhada na memória do leitor brasileiro que não mais podem ser ignorados. Tornaram-se clássicos.

O soneto que Augusto dos Anjos dedica ao seu pai falecido revela o seu sentimento de angústia diante da morte, uma perspectiva sempre presente, desde que soube da doença que o acometia, a tuberculose, e que, mais tarde, viria tirar-lhe a vida (in Augusto dos Anjos, Eu, Ao meu pai morto. Porto Alegre: editora L&PM, reimpressão, 2007, p. 78):

 

AO MEU PAI MORTO - III

Augusto dos Anjos

 


Podre meu pai! A Morte o olhar lhe vidra.

Em seus lábios que os meus lábios osculam

Microorganismos fúnebres pululam

Numa fermentação gorda de cidra.

 

Duras leis as que os homens e a hórrida hidra

A uma só lei biológica vinculam

E a marcha das moléculas regulam,

Com a invariabilidade da clepsidra!

 

Podre meu pai! E a mão que enchi de beijos

Roída toda de bichos, como os queijos

Sobre a mesa de orgíacos festins!...

 

Amo meu pai na atômica desordem

Entre as bocas necrófagas que o mordem

E a terra infecta que lhe cobre os rins!

 


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REFERÊNCIAS:

GONZAGA, Sergius. Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: editora Leitura XXI, 2004.

LINS, Álvaro. BUARQUE de Hollanda, Aurélio. Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro: Antologia da Língua Portuguesa, Ed. Civilização Brasileira, 1966.

BOSI, Alfredo. A Literatura Brasileira. O Pré-Modernismo. São Paulo: Editora Cultrix, 1966.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Estudos e Notas. Antologia Poética de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1997.* * *

 

 

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21 comentários:

  1. Un autore molto interessante, di cui ho apprezzato gli intensi versi.
    Grazie per questo speciale articolo Pedro, cari saluti,silvia

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  2. Bem trazida biografia e linda poesia! abraços, feliz primavera! chica

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  3. Caro Pedro

    Augusto dos Anjos. Como gostei de conhecê-lo aqui! Há Poetas assim, passamos uma vida quase sem os conhecer, talvez por pouca divulgação, ou mesmo descuido da minha parte no caso deste autor, que ora nos traz.

    Li com toda a atenção e interesse a biografia e as polémicas à volta da classificação da sua Poesia. Pré-modernista, como nos diz Ferreira Gullar.
    Para mim, o Soneto "Para o meu Pai morto - III" é de um realismo a toda a prova, na verdadeira acepção da palavra. Diz as coisas de modo cru e sente-se a presença da morte tal como ele a sente.

    Muito obrigada, meu amigo.

    Abraço

    Olinda

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  4. Um grande poeta. Fascinei o meu ego a ler tão brilhante soneto
    .
    Cumprimentos Outonais.

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  5. Adorei a publicação. Simplesmente brilhante!:)
    -
    O medo que espreita ...
    -
    Beijos, e um excelente dia! :)

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  6. Se nace poeta y se muere poeta y en el transcurso de los años se va mejorando el estilo y la calidad de esos poemas. El poeta va creciendo en el proceso del tiempo, hasta llegar a esa maestría que tiene los grandes.

    Besos

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  7. Oi Pedro, gostei da biografia, faleceu bem jovem mesmo...Tão triste quando talentos jovens morrem, perde quem fica, sem as obras não realizadas.
    Que denso esse soneto, posso imaginar as impressões, ainda mais sendo tão jovem e perder ao pai ou mãe.
    Obrigada pelo compartilhamento, abraço!

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  8. Há poetas tão pouco divulgados que acabam como se fossem desconhecidos. Gostei do poema e da biografia que partilhou. Obrigada, pois não conhecia.
    Muita saúde.
    Um beijo.

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  9. Dele me lembro o poema Versos Íntimos. Não sei quando o conheci, mas creio ter sido em trabalhos escolares. A morbidez que lhe atribuem tem razão de ser e mora, também, nesse poema que escolheu, Pedro. A maioria dos grandes poetas não presenciou o reconhecimento de suas obras. Você nos trouxe uma rica biografia dele, que amei ler. Abraço.

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  10. Me encantó leerte y poder disfrutar de una biografía tan interesante y de un poema tan profundo.
    Bello lo que compartes.
    Un beso.

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  11. INTERESSANTE BIOGRAFIA! NÃO CONHEÇO O SUFICIENTE PARA FAZER COMENTÁRIO, MAS TALVEZ A SUA VERVE POÉTICA TENHA SIDO DE CERTA FORMA A MANEIRA COMO ELE ENFRENTAVA A SUA DOENÇA E A POSSIBILIDADE DA MORTE.
    UM ABRAÇO

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  12. Anônimo16:16

    Não conhecia o episódio do Olavo Bilac... e é mesmo irônico: hoje, Augusto dos Anjos ainda emociona e assusta seus leitores. Já Bilac virou pouco mais que um objeto de estudo!

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  13. Amigo Pedro, descreves o meu "idálo" com detalhes que eu não conhecia. Sabes que na juventude decorei todo o livro "Eu e Outras Poesias"? E ainda recordo quase que a metade delas. Era o poeta que eu mais gostava e o recitava em mesas de bar. Ele foi muito bom. Morreu de tuberculose - "cuspir de um abismo a outro abismo, / Mandando aos céus o fumo de um cigarro. / Há mais filosofia nesse escarro / Do que em toda moral do cristianismo... Recife, Ponte Boarque de Macedo, / Eu ia em direção a Casa Agra / Apavorado com a minha sombra magra, / Pensava no destino e tinha medo... Bela postagem, amigo! Grande abraço! Laerte

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  14. Simplesmente amo Augusto dos Anjos.

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  15. Excelente e merecida homenagem a um grande poeta.
    Bom domingo
    Beijinhos

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  16. ¡Por los clavos de Cristo, Pedro!
    Y yo que creía desolados los versos de Jorge Manrique: "Coplas a la muerte de su padre"...

    Desde luego hay que ser todo un poeta para lograr componer en "AO MEU PAI MORTO", el verso de "Y la mano que llené de besos...", logrando un poema redondo cargado de horror, diseccionado con la minuciosidad de un escalpelo.
    Saludos.

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    1. Gostei, Ana, dessa tua expressão:"¡Por los clavos de Cristo, Pedro!"

      Obrigado pelo comentário, Ana.

      Saludos.

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  17. Mais um poeta que merece ser conhecido e reconhecido.

    O poema é de uma intensidade surpreendente.

    Beijos, caro amigo Pedro.

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  18. Não conhecia este interessante poeta.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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  19. Não conhecia este poeta.
    O soneto é mórbido (penso eu) mas é muito bom e surpreende o leitor com imagens muito ousadas.
    Obrigado pela partilha.
    Bom fim de semana, caro Pedro.
    Abraço.

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  20. Pois é, Pedro como sabes, há alguns anos conheci a poesia de Augusto dos Anjos. Depois de ter lido o seu livro “Eu” o único livro escrito pelo poeta, tivemos a oportunidade de conversar sobre a qualidade singular de sua poesia. Então, desde aquela época, retorno aos seus poemas, e a cada leitura descubro uma beleza a mais.
    Parabéns pela iniciativa louvável de escrever sobre o grande poeta, que certamente ajudará a muitos estudantes que se preparam para o vestibular.
    Show de postagem!!
    Um beijinho daqui do lado!

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muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho