– PEDRO LUSO DE CARVALHO
AUGUSTO DOS ANJOS (Augusto Carvalho Rodrigues
dos Anjos) era um dos quatro filhos de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de
Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, nasceu no Engenho de Pau D’Arco, junto à
vila Espírito Santo, Estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu as
primeiras letras com seu pai, advogado estudioso e dono de uma excelente
biblioteca, na qual se encontravam obras de Darwin, Spencer e outros teóricos
evolucionistas.
Em 1910, antes de mudar-se para o Rio de
Janeiro, casou-se, aos 23 anos, com Ester Fialho, com quem teve dois filhos:
Glória (1912) e Guilherme (1913). Faleceu aos 12 de de novembro de 1914, em
Leopoldina – para onde se mudara para tratar da tuberculose – vítima de
congestão pulmonar.
Cursou o secundário no Liceu Paraibano e Direito
em Recife. Essa graduação, no entanto, não lhe serviu como profissão, já que
nunca exerceu a advocacia, por não ser essa sua vocação, mas, sim, o
magistério. Lecionou literatura no Liceu Pernambucano, e, depois, já no Rio de
Janeiro, foi professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Daí
mudou-se para Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, onde foi diretor de um
grupo escolar.
Diz-se que Augusto dos Anjos compôs os seus
primeiros versos aos sete anos de idade. Mas o certo é que, mais tarde, a
crítica chegaria a reconhecer ser ele o mais original dos poetas brasileiros, e
de que poucos haverá, como ele, tão originais na língua portuguesa. É bem
verdade que, em vida, o poeta não pode sentir esse valor atribuído à sua
poesia; esse reconhecimento só viria ocorrer anos mais tarde.
Exemplo de que o reconhecimento da excepcional
obra poética de Augusto dos Anjos parecia ter tido pouco significado na época
em que fez, às suas expensas e com a ajuda de seu irmão, a publicação de seu
livro “Eu”, é contada por Francisco de Assis Barbosa, um dos mais importantes
biógrafos do poeta:
Dias depois de sua morte, ocorrida em Leopoldina, Órris Soares e Heitor
Lima caminhavam pela Avenida Central e pararam na porta da Casa Lopes Fernandes
para cumprimentar Olavo Bilac. O príncipe dos poetas notou a tristeza dos dois
amigos, que acabaram de receber a notícia. – E quem é esse Augusto dos Anjos –
perguntou. Diante do espanto de seus interlocutores, Bilac insistiu: Grande
poeta? Não o conheço. Nunca ouvi falar nesse nome. Sabem alguma coisa dele?
Heitor Lima recitou o soneto Versos a um coveiro. Bilac ouviu pacientemente,
sem interrompê-lo. E, depois que o amigo terminou o último verso, sentenciou
com um sorriso de superioridade: - Era esse o poeta? Ah!, então, fez bem em
morrer. Não se perdeu grande coisa.
A afirmação feita por Ivan Cavalcanti Proença,
sobre Augusto dos Anjos, contraria o que disse dele Olavo Bilac: “Hoje, é um
dos três mais lidos, e conhecidos poetas de antes do Modernismo, em língua
portuguesa no Brasil, ao lado do nosso Castro Alves e da lírica Marília de
Dirceu de Tomás António Gonzaga”.
Diz Alfredo Bosi, no seu livro A Literatura
Brasileira O Pré-Modernismo, publicado em em 1966: “Augusto dos Anjos foi homem
de um só livro: ‘Eu’, publicado em 1912, e cuja fortuna, extraordinária para
uma obra poética, atestam as trinta edições vindas à luz até o momento em que
escrevemos (1966)”.
Ivan Cavalcanti Proença enumera outras edições
de Eu, de Augustos dos Anjos: a 29ª em 1963, pela Livraria São José, a 30ª
(1965) e a 31ª (1971). Esta contou com o estudo de Antonio Houaiss e nota
biográfica de Francisco de Assis Barbosa, com “Poemas Esquecidos” (Agrupados
por De Castro e Silva em estudos de 1914 e 1954).
Acrescenta Proença, que, pela Editora Paz e
Terra, saem duas edições: a de 1978, Toda a Poesia, com estudo de Ferreira
Gullar e apresentação de Otto Maria Carpeaux (edição que reproduz a 31ª edição
da livrariaitora São José). Em 1987 a Editora Civilização Brasileira lançou o
livro Eu e Outras Poesias, com texto e notas de Antonio Houaiss,
o Elogio... de Órris Soares, o Estudo biográfico de Francisco de
Assis Barbosa. Além dessas edições, saíram as edições da Martins Fontes, em
1994, da Paz e Terra e Nova Aguilar, ambas em 1995.
O professor Sergius Gonzaga assim se manifesta
sobre o poeta, em sua obra Curso de Literatura Brasileira: “Augusto dos Anjos é
um caso a parte na poesia brasileira. Autor de grande sucesso popular foi
ignorado por certa parcela da crítica, que o julgava mórbido e vulgar. Alguns
estudiosos que se debruçaram sobre essa obra única e absolutamente original
perderam tempo discutindo se a mesma era parnasiana ou simbolista. O domínio técnico
e o gosto pelo soneto comprovariam o primeiro rótulo. A fascinação pela morte,
a angústia cósmica e o emprego de ousadas metáforas, indicariam a tendência
simbolista”.
Esse debate tornou-se obsoleto perante estudos
mais apurados, como o de Ferreira Gullar, que acentua a modernidade dos versos
de “Eu”. Diz Gullar: “Talvez nenhum outro autor do período merecesse tanto a
denominação de pré-modernista como Augusto dos Anjos. Pré-modernista ele o é na
mistura de estilos, na linguagem corrosiva, no coloquialismo e na incorporação
à literatura de todas as sujeiras da vida”.
Durante muito tempo, discutiu-se se ele era ou
não um grande poeta. Hoje, os estudiosos sublinham sua singularidade temática e
linguística, mesmo reconhecendo eventuais deslizes. Alguns, contudo, lembram a
morbidez e a vulgaridade desenfreada de várias composições. Pode-se gostar ou
não de sua obra, mas sonetos como Versos Íntimos estão de tal forma entranhada
na memória do leitor brasileiro que não mais podem ser ignorados. Tornaram-se clássicos.
O soneto que Augusto dos Anjos dedica ao seu pai falecido revela o seu sentimento de angústia diante da morte, uma perspectiva sempre presente, desde que soube da doença que o acometia, a tuberculose, e que, mais tarde, viria tirar-lhe a vida (in Augusto dos Anjos, Eu, Ao meu pai morto. Porto Alegre: editora L&PM, reimpressão, 2007, p. 78):
AO MEU PAI MORTO - III
Augusto dos Anjos
Podre meu pai! A Morte o olhar lhe vidra.
Em seus lábios que os meus lábios osculam
Microorganismos fúnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.
Duras leis as que os homens e a hórrida hidra
A uma só lei biológica vinculam
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!
Podre meu pai! E a mão que enchi de beijos
Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!...
Amo meu pai na atômica desordem
Entre as bocas necrófagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!
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REFERÊNCIAS:
GONZAGA, Sergius.
Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: editora Leitura XXI, 2004.
LINS,
Álvaro. BUARQUE de Hollanda, Aurélio. Roteiro Literário de Portugal e do
Brasil. Rio de Janeiro: Antologia da Língua Portuguesa, Ed. Civilização
Brasileira, 1966.
BOSI,
Alfredo. A Literatura Brasileira. O Pré-Modernismo. São Paulo: Editora Cultrix,
1966.
PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Estudos e Notas. Antologia Poética de
Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1997.* * *
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Un autore molto interessante, di cui ho apprezzato gli intensi versi.
ResponderExcluirGrazie per questo speciale articolo Pedro, cari saluti,silvia
Bem trazida biografia e linda poesia! abraços, feliz primavera! chica
ResponderExcluirCaro Pedro
ResponderExcluirAugusto dos Anjos. Como gostei de conhecê-lo aqui! Há Poetas assim, passamos uma vida quase sem os conhecer, talvez por pouca divulgação, ou mesmo descuido da minha parte no caso deste autor, que ora nos traz.
Li com toda a atenção e interesse a biografia e as polémicas à volta da classificação da sua Poesia. Pré-modernista, como nos diz Ferreira Gullar.
Para mim, o Soneto "Para o meu Pai morto - III" é de um realismo a toda a prova, na verdadeira acepção da palavra. Diz as coisas de modo cru e sente-se a presença da morte tal como ele a sente.
Muito obrigada, meu amigo.
Abraço
Olinda
Um grande poeta. Fascinei o meu ego a ler tão brilhante soneto
ResponderExcluir.
Cumprimentos Outonais.
Adorei a publicação. Simplesmente brilhante!:)
ResponderExcluir-
O medo que espreita ...
-
Beijos, e um excelente dia! :)
Se nace poeta y se muere poeta y en el transcurso de los años se va mejorando el estilo y la calidad de esos poemas. El poeta va creciendo en el proceso del tiempo, hasta llegar a esa maestría que tiene los grandes.
ResponderExcluirBesos
Oi Pedro, gostei da biografia, faleceu bem jovem mesmo...Tão triste quando talentos jovens morrem, perde quem fica, sem as obras não realizadas.
ResponderExcluirQue denso esse soneto, posso imaginar as impressões, ainda mais sendo tão jovem e perder ao pai ou mãe.
Obrigada pelo compartilhamento, abraço!
Há poetas tão pouco divulgados que acabam como se fossem desconhecidos. Gostei do poema e da biografia que partilhou. Obrigada, pois não conhecia.
ResponderExcluirMuita saúde.
Um beijo.
Dele me lembro o poema Versos Íntimos. Não sei quando o conheci, mas creio ter sido em trabalhos escolares. A morbidez que lhe atribuem tem razão de ser e mora, também, nesse poema que escolheu, Pedro. A maioria dos grandes poetas não presenciou o reconhecimento de suas obras. Você nos trouxe uma rica biografia dele, que amei ler. Abraço.
ResponderExcluirMe encantó leerte y poder disfrutar de una biografía tan interesante y de un poema tan profundo.
ResponderExcluirBello lo que compartes.
Un beso.
INTERESSANTE BIOGRAFIA! NÃO CONHEÇO O SUFICIENTE PARA FAZER COMENTÁRIO, MAS TALVEZ A SUA VERVE POÉTICA TENHA SIDO DE CERTA FORMA A MANEIRA COMO ELE ENFRENTAVA A SUA DOENÇA E A POSSIBILIDADE DA MORTE.
ResponderExcluirUM ABRAÇO
Não conhecia o episódio do Olavo Bilac... e é mesmo irônico: hoje, Augusto dos Anjos ainda emociona e assusta seus leitores. Já Bilac virou pouco mais que um objeto de estudo!
ResponderExcluirAmigo Pedro, descreves o meu "idálo" com detalhes que eu não conhecia. Sabes que na juventude decorei todo o livro "Eu e Outras Poesias"? E ainda recordo quase que a metade delas. Era o poeta que eu mais gostava e o recitava em mesas de bar. Ele foi muito bom. Morreu de tuberculose - "cuspir de um abismo a outro abismo, / Mandando aos céus o fumo de um cigarro. / Há mais filosofia nesse escarro / Do que em toda moral do cristianismo... Recife, Ponte Boarque de Macedo, / Eu ia em direção a Casa Agra / Apavorado com a minha sombra magra, / Pensava no destino e tinha medo... Bela postagem, amigo! Grande abraço! Laerte
ResponderExcluirSimplesmente amo Augusto dos Anjos.
ResponderExcluirExcelente e merecida homenagem a um grande poeta.
ResponderExcluirBom domingo
Beijinhos
¡Por los clavos de Cristo, Pedro!
ResponderExcluirY yo que creía desolados los versos de Jorge Manrique: "Coplas a la muerte de su padre"...
Desde luego hay que ser todo un poeta para lograr componer en "AO MEU PAI MORTO", el verso de "Y la mano que llené de besos...", logrando un poema redondo cargado de horror, diseccionado con la minuciosidad de un escalpelo.
Saludos.
Gostei, Ana, dessa tua expressão:"¡Por los clavos de Cristo, Pedro!"
ExcluirObrigado pelo comentário, Ana.
Saludos.
Mais um poeta que merece ser conhecido e reconhecido.
ResponderExcluirO poema é de uma intensidade surpreendente.
Beijos, caro amigo Pedro.
Não conhecia este interessante poeta.
ResponderExcluirUm abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Não conhecia este poeta.
ResponderExcluirO soneto é mórbido (penso eu) mas é muito bom e surpreende o leitor com imagens muito ousadas.
Obrigado pela partilha.
Bom fim de semana, caro Pedro.
Abraço.
Pois é, Pedro como sabes, há alguns anos conheci a poesia de Augusto dos Anjos. Depois de ter lido o seu livro “Eu” o único livro escrito pelo poeta, tivemos a oportunidade de conversar sobre a qualidade singular de sua poesia. Então, desde aquela época, retorno aos seus poemas, e a cada leitura descubro uma beleza a mais.
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa louvável de escrever sobre o grande poeta, que certamente ajudará a muitos estudantes que se preparam para o vestibular.
Show de postagem!!
Um beijinho daqui do lado!