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28 de jun. de 2020

[Poesia] CECÍLIA MEIRELES – Pergunta






– PEDRO LUSO DE CARVALHO


CECÍLIA MEIRELES apareceu no mundo literário do nosso país no ano de 1922, com publicações nas revistas Árvore Nova, Terra de Sol e Festa, no período de 1919 a 1927, nos quais escritores católicos defendiam a renovação das letras brasileiras na base do equilíbrio e do pensamento filosófico. O aparecimento da poetisa deu-se, portanto, por coincidência, na época em que eclodia o movimento modernista (1922), no qual os escritores nele envolvidos representavam uma outra tendência.

Cecília Meireles era descendente, pela linha materna, de açorianos de São Miguel. Nasceu no Rio de Janeiro, a 7 de novembro de 1901. Foram seus pais, Carlos Alberto Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil, falecido aos 26 anos de idade, três meses antes do nascimento da filha e de Matilde Benevides, professora municipal, falecida quando Cecília tinha três anos de idade. A menina Cecília ficou sob a tutela a avó materna, Jacinta Garcia Benevides, de origem açoriana, por ter sido a única pessoa sobrevivente da família. Cecília Meireles morreu no Rio de Janeiro, no dia 9 de novembro de 1964, aos 63 anos de idade.

Darcy Damaceno escreveu um importante ensaio sobre a obra da poetisa, intitulado Poesia Sensível e do Imaginário, que foi publicado como introdução ao livro Flor de poemas, de Cecília Meireles, de cujo ensaio, de Darcy Damasceno, alguns trechos serão transcritos, como segue:

A aproximação entre Cecília Meireles e os jovens congregados em torno de Tasso da Silveira e Andrade Murici, embora não implicando compromisso de ordem doutrinária, delineava a feição espiritual de sua arte, inspirada em elevado misticismo e acentuada comunhão de juízos literários, expressa na admiração por Cruz e Souza e os poetas simbolistas.

Com a publicação de Viagem o influxo simbolista perderia em relevo externo para introduzir-se em filosofia de vida e comprometimento estético. A similitude temática e formal, que ligava Cecília Meireles e os epígonos do Simbolismo, cedeu lugar à pluralidade de motivos e à eleição de certos metros; o vocabulário típico substituiu-se por um léxico mais variado, e os preceitos espiritualistas de pensamento filosófico, tradição e universalidade vieram singularmente concretizar-se no menos ortodoxo dos trovadores.

A premiação em 1938, pela Academia Brasileira de Letras, de Viagem, significou o reconhecimento de um empenho monacal no estudo de nossa tradição literária e na assimilação dos recursos expressivos da arte verbal. Com esse livro ingressava Cecília Meireles na primeira linha dos poetas brasileiros, ao mesmo tempo que se distinguia como a única figura universalizante do movimento modernista.

A visão da natureza física não é, na poesia de Cecília Meireles, apenas pormenorizada; também panorâmica. Ademais da meticulosidade na inventariação das coisas, ocorre nela a pintura larga, policrômica, na qual se retrata um cenário de árvores, nuvens, rios, bichos e homens.

Vemos assim avivarem-se os rastros da alma alertada contra os desenganos do mundo, desenganos que se enfeixam num tópico principal: o da brevidade da vida. A insegurança do ser humano, a fragilidade das coisas, a inconstância da sorte, a ideia de que tudo é sonho são temas que, direta ou indiretamente, daquele decorrem:

"tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquiteturas."

Segue o poema Pergunta, de Cecília Meireles (In Meireles, Cecília. Flor de poemas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1972, p. 1-2, 10, 15, 30, 35, 75-76):


P E R G U N T A
Cecília Meireles



Estes meus tristes pensamentos
vieram de estrelas desfolhadas
pela boca brusca dos ventos?

Nasceram das encruzilhadas
onde os espíritos defuntos
põem no presente horas passadas?

Originaram-se de assuntos
pelo raciocínio dispersos,
e depois na saudade juntos?

Subiram de mundos submersos
em mares, túmulos ou almas,
em música, em mármore, em versos?

Cairam das noites calmas,
dos caminhos dos luares lisos,
em que o sono abre mansas palmas?

Provêm de fatos indecisos,
acontecidos entre brumas,
na era de extintos paraísos?

Ou de algum cenário de espumas,
onde as almas deslizam frias,
sem aspirações mais nenhumas?

Ou de ardentes e inúteis dias,
com figuras alucinadas
por desejos e covardias?...

Foram as estátuas paradas
em roda da água do jardim...?
Foram as luzes apagadas?

Ou serão feitos só de mim,
estes meus tristes pensamentos
que bóiam como peixes lentos

num rio de tédio sem fim?





*  *  *





34 comentários:

  1. Poema lindíssimo da grande poetisa Cecília Meireles. O saber nunca ocupou lugar. Gostei muito desta sua publicação.
    .
    Um domingo feliz
    Cumprimentos poéticos

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  2. Boa tarde de Domingo, amigo Pedro!
    Gosto muito de Cecília.
    Pensamentos que:
    Originaram-se de assuntos
    pelo raciocínio dispersos,
    e depois na saudade juntos?
    Bonita reflexão poética da escritora e poetisa.
    Suas escolhas são de primeira.
    Tenha uma nova semana abençoada!
    Abraços fraternos de paz e bem

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  3. No conocía esta escritora y por supuesto sus obras.

    Ahora tengo conocimiento de su existencia y por lo menos he podido leer ese poema que has publicado.

    Besos

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  4. A poesia de Cecília Meireles faz parte das minhas leituras. É cativante e de vistas largas. Esta pergunta poetizada é um bom exemplo. A nostalgia, realmente, acompanha a vida.
    Gostei muito.

    Beijos, amigo Pedro.

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  5. Amei a sua publicação bem como, a escolha desta Grande Poetisa! Muito obrigada pela partilha!
    **
    Existem cansaços que atenuam

    Beijo e um excelente Domingo

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  6. Grazie per avermi fatto conoscere la storia e alcuni versi di questa poetessa che non conoscevo.
    Ciao amico Pedro, un abbraccio
    enrico

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  7. Cecília sempre encantadora e trouxeste uma bela poesia dela! Gostei! abraços, linda semana,chica

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  8. Cecília Meireles é um vulto maior da Cultura Brasileira e Universal
    a sua obra é conhecida e estudada entre nós, sendo porventura
    o poeta brasileiro mais conhecido em Portugal

    e o poema que nos ofereces é bem demonstrativo do "universo poético"
    que tão bem descreves.

    bem hajas, caro Pedro Luso, por este momento de rara beleza
    grande abraço

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  9. Cecília Meireles é a minha favorita entre tantas poetisas maravilhosas, ela aborda com leveza, mas dentro de muita realidade os temas como a felicidade, a tristeza, a morte, a indignação, a velhice, a coragem e sempre de uma maneira direta, sem receios. Sem fantasia. Tudo que pensamos sem rodeios. Atualíssima!
    Divino e sensível esse poema 'Pergunta'.
    Parabéns pela escolha, hoje, dessa tua série dos 'grandes poetas'.
    Um presente para continuarmos encarando essa pandemia.
    Beijinho daqui do lado.

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  10. Cecília Meireles é uma das minhas poetisas preferidas, a par de Sophia de Mello Breyner e Alda Lara.
    Abraço, saúde e boa semana

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  11. Cecília Meireles. Crescemos a lê-la. A poesia que escreveu fez-nos escrever, fez-nos sonhar, ajudou-nos a viver, inspirou-nos... É magnífica!
    Uma boa semana meu Amigo Pedro. Saúde.
    Um beijo.

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  12. Pedro,
    Eu simplesmente amo Cecília
    desde que eu era menina.
    Leio para minhas netas
    os versos dela e rimos
    juntas interpretando.
    Adorei ler.
    Bjins e boa nova semana.
    CatiahoAlc.

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  13. Oi pai!

    Muitas vezes lemos algum autor ou autora e gostamos ou desgostamos sem que façamos uma pergunta: mas qual o contexto de vida do escritor? E isso faz muita diferença na hora da leitura!

    E essa postagem reponde, com a excelência de sempre, esse questionamento!!

    Abração!!

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    1. Oi, filho!
      Para mim será sempre um momento de alegria vê-lo aqui neste espaço, jovem advogado de minha confiança, tanto na área do Direito Civil como Previdenciário e Trabalhista.
      Como dizem os nossos irmãos portugueses: bem hajas!
      Um abração.

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  14. Me alegra mucho haber conocido a esta autora a través de tí. Sin duda una persona con un trabajo muy sobresaliente en el mundo de las letras.
    Muchas gracias.
    Un beso. Feliz semana.

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  15. Lindo, o seu poste: também gosto muito de Cecília Meireles.
    Uma poetiza maravilhosa!
    Obrigada por tão linda partilha!
    Um beijo fraterno, amigo. Paz saúde e bem!!!

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  16. Pois é, Pedro. Não podemos esquecer os nossos poetas queridos.
    Precisamos ler os novos sem esquecer os velhos, que chamamos de clássicos, sobretudo esta dama da poesia brasileira. Imagino que muitos não a conheçam...
    Parabéns para partilha!
    Um grande abraço,

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  17. Belíssimo poema escolhido, Pedro!
    As tristezas assim como as alegrias que vivemos é reflexo de toda a intensidade descrita nos versos, nem sempre damos conta disso, as vezes só percebemos a tristeza.
    Abraço e boa semana!

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  18. Boa noite Amigo Pedro,
    Adorei sua postagem sobre a nossa poestisa Cecília Meireles, sua historia de vida, o reconhecimento da Academia de Letras e esse poema maravilhoso que eu não conhecia: Perguntas! Fantásticos versos em questionamentos de vida que nos fazem refletir.
    Tenho um poema em que digo:
    Aprendi com Meireles ser tal qual a primavera, a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.
    Parabéns, Pedro, pelo brilhante trabalho!
    Paz e bem!
    Beijos

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    1. “Aprendi com Meireles ser tal qual a primavera, a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira.”

      Como dizes Vilma a tua reflexão, inspirada na grande Cecília Meireles. Parabéns!

      Beijo.

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  19. Las preguntas que se formula a sí misma la poeta, para mí desconocida, son universales. Muchos párrafos de este poema podrían hacerlos suyos los lectores. ¿De dónde vendrán estos pensamientos que nos asaltan en ocasiones? La desazón, la duda, incluso el aburrimiento de no saber qué camino tomar, ¿tienen un origen? O simplemente brotan originales de nuestros más íntimos anhelos...

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    1. É verdade Ana, o desconforto, a dúvida, o tédio são sentimentos que se fazem presentes, quase sempre, na poesia de Cecília Meireles, a nossa mais importante poetisa. Beijo.

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  20. Gracias por compartir la biografía de esta poeta. de la que algo sabía sobre ella, pero muy poco sobre sus obras, de hecho, al leer este hermoso poema que publicas, ha crecido más mi interés por su poesía.
    Saludos.

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  21. Uma maravilhosa poetisa e uma linda poesia .Gosto mito de Cecília Meireless.
    Um abrço.
    Élys.

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  22. Boa tarde, Pedro,
    que feliz escolha para compartilhar conosco Cecília Meireles.Suas obras têm um cunho social.Gosto de ler seus poemas, ela teve uma vida, penso que um pouco sofrida, pois não chegou a conhecer o pai e a mãe faleceu cedo,porém, nada deixa a desejar em relação ao que escreveu, seu legado para nós é imenso e valioso.O poema "Pergunta", aqui postado nos passa uma impressão intimista, os pensamentos dela sempre presentes em todos os versos do poema.Parabéns, pela bela escolha. Abraço!

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  23. Uma grande poeta.
    Homenagem bem merecida. E gostei do poema que escolheu.
    Bom fim de semana, caro Pedro.
    Abraço.

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  24. Gosto da poesia de Cecília, mas não a conhecia assim tão bem.Pelo que agradeço a biografia aqui exposta.

    Abraço português , com voto de bom final de semana

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  25. Obrigada Pedro pela bela postagem fazendo a justa reverência à nossa querida Cecília Meireles! Sempre íntima de nossa alma que sempre temos um verso dentro do coração quando sua poética nos vem a mente e em cada situação nos lembramos de seus lindos e profundos versos. " Não sou alegre e nem sou triste / sou Poeta"

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  26. Un poema hermoso de la gran,
    Cecilia, me agrada muchísimo,
    muito obrigado.

    Beijos pra vc.
    Siby

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  27. Caro Pedro Luso

    Um privilégio encontrar aqui Cecília Meireles, Poetisa que muito admiro. E a biografia que nos traz relacionada com a sua vida literária é riquíssima.
    O Poema "Pergunta" contém questões que todos nós, num momento ou outro da vida nos colocamos.E nem sempre encontramos respostas...
    Maravilhoso esse seu trabalho de investigação, meu amigo.
    Abraço
    Olinda

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  28. O poetizar de Cecília é diferenciado, cantava versos encantava palavra, ainda surgindo num momento frutífero da literatura, veio com força e arte nos encantar.
    O poema é uma bela ilustração perfeita para ilustrar sua pela partilha.
    Meu abraço amigo Pedro e que a poesia esteja sempre a lhe assediar.
    Que a semana seja leve e alegre na família.

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  29. Sempre um privilégio imenso, conhecer um pouco mais do fascinante mundo poético de Cecília!...
    E adorei ficar a conhecer mais pormenorizadamente a sua biografia! Desconhecia que seria descendente de açorianos... estamos sempre a aprender!...
    Beijinho
    Ana

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muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho