Tarsila do Amaral / Manteau Rouge - 1923 |
O OFICIAL DE JUSTIÇA
- Pedro Luso de Carvalho
O circunspeto Romualdo foi um bom oficial de justiça. Trabalhou por muitos anos sem um único deslize. Pessoa íntegra, no Fórum conquistou o respeito dos juízes e dos servidores da Justiça. Certo dia saiu de casa para fazer uma citação a três quadras dali. Quando chegou, procurou pela campainha. Acionou-a uma única vez. A mulher que o atendeu era magra, cabelos em desalinho, e devia ter menos de trinta anos.
– Procuro pela senhora Mafalda.
– Pois não, senhor! Sou eu mesma.
O seu vestido vermelho, com ousado decote, fez com que Romualdo desviasse o olhar no momento em que lhe entregou o mandado de citação. Depois apanhou a contrafé, por ela assinada, e retirou-se, fazendo-lhe um tímido aceno com a cabeça,
Passados dois dias, Romualdo recebeu um bilhete da mulher de vestido vermelho, convidando-o para um aperitivo em sua casa. Tornou a ler o bilhete para certificar-se se era a mesma mulher que citara dias atrás. Não havia dúvida, a letra era a mesma.
Uma semana depois, Romualdo recebeu um telefonema de Mafalda, que lhe disse, com voz rouca: “Ainda estou aguardando a sua resposta”. E renovou o seu convite.
– Eu sou um homem casado...
– Venha no final da tarde – disse, com firmeza.
Romualdo foi ao encontro de Mafalda, depois de concluir a última citação daquele dia. Os encontros nos finais de tarde tornaram-se rotineiros. Aos domingos, saia a passeio com a esposa e a filha.
Passados pouco mais de dois anos, Romualdo começava a sentir o peso da culpa. Não deixava de pensar na boa qualidade de vida que levava, antes de conhecer Mafalda.
Decidido a romper com o relacionamento, pediu à amante que o esperasse, no final da tarde. Quando chegou, foi direto ao assunto:
– Vamos ter que terminar com este caso – disse, sem olhar nos seus olhos.
Como não ouviu dela nenhuma resposta, saiu às pressas. Depois de ter permanecido sentada por algum tempo, o olhar fixo na porta, por onde Romualdo saiu, falou com voz embargada, no vazio da sala: “Se ele pensa que vai me abandonar engana-se”.
Mafalda passou a telefonar todas as noites para a casa de Romualdo, por várias semanas. A esposa preocupava-se com esses telefonemas, e com o estado de prostração do marido, que no momento separava alguns mandados de citação, para o seu dia de trabalho.
– Um menino me entregou isto – disse a esposa, preocupada.
Romualdo esperou que ela saísse da sala para abrir o envelope. Reconheceu a letra de Mafalda. Um sentimento de desgraça deixou-o abatido. No bilhete, a amante dizia: “Vou contar tudo o que existiu entre nós à sua mulher”.
O oficial de justiça voltou a sentar-se, extenuado. Afastou os documentos que estavam sobre a mesa, e aí deixou o bilhete, com os rabiscos ameaçadores de Mafalda.
De repente, tomado de fúria, Romualdo saiu em direção à casa de Mafalda. Enquanto caminhava, segurava o revólver no bolso do paletó até deparar-se com a amante, momento em que sentiu a mão enrijecida e os contínuos repuxos da arma.
O tempo parecia ter parado para o oficial de justiça. Refazendo-se, Romualdo esfregou os olhos, como se estivesse acordando, e logo ouviu o seco estalido das algemas, apertando-lhe os punhos.
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Tentações que podem ter um preço altíssimo.
ResponderExcluirDon't go for the woman in red.
Abraço
Caro Pedro,
ResponderExcluirBem interessante esta tua postagem. O diálogo deixou o oficial de justiça “aperreado” e acabou sendo algemado... Reputação jogada fora num piscar de olhos.
Sobre a arte da postagem, “Tarsila do Amaral” tinha por hábito, carregar consigo cadernos de desenhos (aqueles deitados sem pautas), para esboçar com o lápis, ideias vistas no itinerário que estava seguindo (muitas vezes de trem), que partia de “Capivari”, no interior de “São Paulo”, até a capital. Assim, observamos que “o hábito faz mesmo o monge”, pois, desde muito jovem, “Tarsila” convivia intimamente com sua arte.
Abraços meu nobre amigo!!!
Un brano di notevole lettura, che ho molto apprezzato.
ResponderExcluirBuon mercoledì e un caro saluto Pedro,silvia
Há tentações que terminam em tragédias.
ResponderExcluirAbraço e saúde
Deviazioni dalla retta via di marito devoto, portano a gravi conseguenze. Un racconto che ho molto gradito per la morale che contiene. Complimenti, amico Pedro. Un caro saluto ed un abbraccio amicale, Grazia!
ResponderExcluirEstimado Pedro, cualquiera puede caer en una tentación de esas características, el cuerpo puede ser fuerte pero la mente débil. No cabe duda que esa amante actuó de forma deliberada con ese pobre hombre. A Romualdo, le falto el valor de hablar con su mujer y contarle su desliz. Cuando se quiere de verdad, las cosas se llegan a comprender y perdonar. No tuvo el suficiente coraje.
ResponderExcluirUn gran abrazo amigo Pedro.
Bah....Beleza de conto e nos prendeste até o fim, querendo saber mais...Romualdo nem precisou der citado... Foi algemado e tomara fique por lá,rs...Adorei! abração , chica
ResponderExcluirOi Pedro, parabéns pelo conto, ótimo, prendeu do começo ao fim e a dúvida até o último parágrafo!
ResponderExcluirA vida por si só já é uma caixa de surpresas, imagine então se procuramos por encrencas. De qualquer forma nada justifica eliminar o "problema" que muitas vezes criamos.
Abraço, amigo!
Gostei bastante do conto!:))
ResponderExcluir.
A ousadia dos sonhos...
.
Beijos, e uma excelente tarde!
Una pena truncar una vida feliz por unos momentos de debilidad.
ResponderExcluirUn excelente relato. La vida siempre conlleva riesgos.
Un beso.
Um conto que se repete por aí ,enquanto existir os tais'vestidos vermelhos'rs
ResponderExcluirUm desfecho que fugiu do controle do sr.Oficial que de tanto entregar citações de prováveis 'justiças',pensou executá-la e foi garfado rs.
Boa leitura, Pedro.
Abraço
Don Pedro:
ResponderExcluirel chantaje es una cosa muy fea.
Abraços.
Sucumbir a una tentación, puede costar muy caro y eso es lo que normalmente suele pasar.
ResponderExcluirBesos
Olá, amigo Pedro.
ResponderExcluirUm Conto muito interessante. Que reflete situações que vão acontecendo, quando outras Mafaldas aparecerem com os seus vestidos vermelhos.
Gostei bastante, amigo poeta.
Uma noite tranquila, e feliz quinta feira!
Abraço amigo.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
Um conto que retrata o cotidiano de pessoas que mais cedo ou mais tarde irão se deparar com uma situação de tensão, de estresse, de arrependimento por se meterem em situações de risco. Sim, o pretenso amor se transforma facilmente em situações inesperadas. É impossível dar certo quando vivemos numa corda bamba onde aparecem diversas manobras para tentar burlar nossa mente, nossa visão e nossas atitudes num mundo que clama cada vez mais por paz e pelos bons costumes nas sociedades.
ResponderExcluirÉ um conto tenso que nos leva a raciocinar se vale a pena começar algo por estradas tortuosas.
Seu final poderia ser outro, talvez, mas este terminou de uma maneira trágica. Tão triste como tudo que começa mal.
Parabéns pelo teu excelente conto!
Beijinho daqui do lado!
Assim mesmo, Pedro
ResponderExcluirTemos de pensar que nâo controlamos o comportamento dos outros
e se nâo pensamos com todos os neuronios, podemos enveredar por caminhos tortuosos e cair em desgraça (ou levar outros ao desespero) num abrir e fechar de olhos, ou algum tempo depois!
O que poderia ser uma boa tentação virou tragédia.
ResponderExcluirGostei bastante deste texto.
Um abraço e continuação de uma boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
Livros-Autografados
Um lindo conto amei de 💚💙um 😘resto de uma boa semana com tudo de bom.
ResponderExcluirLindo conto amigo Pedro, gostei muito de ler.
ResponderExcluirAgradecendo a visita e desejando uma excelente tarde.
Um abraço, amigo.
Boa noite, amigo Pedro.
ResponderExcluirPassando por aqui, relendo este excelente poema que muito apreciei. E desejar um Feliz fim de semana com muita saúde.
Forte abraço.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
O oficial de justiça não conseguiu desviar-se da tentação. Pagou caro. Deus e o diabo personificados numa mulher.
ResponderExcluirUm conto que cativa e arrepia. Gostei.
Beijos, amigo Pedro.
Pedro,
ResponderExcluirSeu texto reforça a
certeza de que tudo nessa
vida tem seu preço.
Gosto dessa linha
de escrita: que
prende a atenção do
leitor até a última palavra.
Bjins de otimo domingo.
CatiahoAlc.
Olá Pedro! Gostei imenso do conto. Uma narrativa que nos prende a atenção, nos levando para a ambiência da situação. Parabéns !Grande abraço. Feliz inicio de semana.
ResponderExcluirOlá, amigo Pedro!
ResponderExcluirPassando por aqui, relendo este excelente texto. E desejar uma boa noite e ótima semana!
Abraço amigo.
Mário Margaride
http://poesiaaquiesta.blogspot.com
Uma tentação de vestido vermelho. Um final trágico de um homem que não soube lidar com o seu erro. Que bem contado, meu Amigo Pedro!
ResponderExcluirUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
" Somos os mesmos " , Pedro e a história mostra que não temos aprendido nada; guerras terriveis assolaram o mundo, massacres de raças, de etnias, doenças, hoje consideradas de fácil solução, que dizimaram muita gente, catástrofes naturais que fizeram desaparecer cidades inteiras e o que tem feito o homem para melhorar o mundo? Nada! As guerras continuam muito mais sofisticadas, a perseguição às minorias estão por todo lado, morrem de fome crianças numa era de tanta abundância, mas, ao mesmo tempo de tanto desperdicio; a esperança e esforço dos homens de boa vontade continuam, mas pouco conseguem fazer mediante tanto poderio, quer militar, quer financeiro. Vivemos nessa Utopia e é ela que impede que desanimemos por completo. Este conto que hoje nos trazes, muito bom e bem escrito, é mais uma prova de que "somos os mesmos " e não vai ser esta pandemia que vai alterar seja o que for. Este oficial de justiça representa tantos homens e mulheres que não conseguem ser fiéis aos seus princípios e que não pensam nas consequências da sua irresponsabilidade. Sempre os houve e sempre os haverá, pessoas que parecem " não quebrar um prato, mas que partem a louça toda " como se costuma dizer ". São pessoas dissimuladas que aparentam uma nobreza de carácter, mas que são precisamente o contrário e todos nós conhecemos pessoas assim, não só na infedilidade conjugal, mas também em outros aspectos da vida. Quem não consegue ser honesto na sua vida privada, como será em relação à sociedade onde vive? Uma atitude impensada que estragou a sua vida, mas que destruiu por completo a vida daqueles que o amavam e nele confiavam. E é assim, o ser humano, Amigo Pedro! Há aqueles que se esforçam por uma vida digna e por um mundo mais igual, mas, infelizmente, são poucos e pequenos demais para enfrentarem o poder e a ganância dos que gerem o mundo. Belo conto, um maravilhoso poema e um grande Amigo que muito admiro. Valeu muito o pouco tempo que aqui estive contigo...a conversa foi muito boa. Vale sempre muito a pena! Beijinhos e que os teus dias sejam serenos, com a alegria possivel e saúde para todos
ResponderExcluirEmilia
Um conto bem enredado amigo Pedro. As tentações estão sempre presentes e não cair nelas é quase uma arte. O que ela buscava talvez se safar da intimação, uma espécie de suborno amoroso, mas a violência tem seu preço e o bracelete entra em ação.
ResponderExcluirMuito bom com lição de que nem tudo que reluz é ouro tocável.
Um abração e feliz semana para vocês.
Não há nada que mais precioso do que a paz de espírito!
ResponderExcluirE a tal criatura parece que nem valia as penas...
Uma narrativa excelente, Pedro.
Também prova que, para certos temperamentos, dispor de uma arma de fogo é o primeiro passo para a tragédia...
Gostei de ler... Beijo, amigo.
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Ya lo dice el refrán: las tentaciones de carne son fuertes
ResponderExcluirRomualdo lascou-se...
ResponderExcluirExcelente conto, Pedro
Quando a cabeça não pensa corpo é que paga.
Um grande abraço
Verena.
Um conto muito bem elaborado, com uma narrativa que não deixa o leitor parar de ler.
ResponderExcluirExcelente, gostei imenso.
Bom fim de semana, caro amigo Pedro.
Abraço.
Tentações... com altos preços...
ResponderExcluirE Romualdo, não terá vivido decerto no tempo das redes sociais... onde os bilhetinhos, seriam substituídos por mails e vídeos comprometedores... e tudo se passaria em um outro ritmo...
Decididamente nos loucos anos vinte do século passado, havia um encantamento e um charme, no ar, que os loucos anos 20 de agora, não conseguem nem imitar...
Adorei o seu texto, Pedro! Fez-me lembrar a ambiência e densidade literária de Scott Fitzgerald...
Beijinhos
Ana