[ESPAÇO DA CRÔNICA]
O HOMEM QUE QUERIA SER CULTO
– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Faz alguns anos que estive em Florianópolis. Lembro-me claramente quando
caminhávamos, Taís e eu, pela Avenida Beira-Mar. Na faixa destinada a
pedestres, um homem diminuiu o ritmo de sua caminhada para juntar-se a nós, no
nosso ritmo, depois de pedir permissão para isso, com o que concordamos.
Isso foi num mês de fevereiro. A brisa suave, vinda do mar, aliviava um
pouco o calor e o desagradável odor que sentíamos, nessa primeira hora da
tarde. No curso da caminhada, o nosso novo amigo praticamente monopolizou a
conversa. A sua postura física e o grisalho dos cabelos denunciavam os seus
sessenta e poucos anos.
Esse senhor falava como se fosse dono da palavra. Não se pode dizer que
sabia dialogar, ao contrário; mas era um verdadeiro mestre da arte do monólogo.
Essa constatação foi o suficiente para que pudéssemos conhecer um pouco do seu
caráter e a necessidade que tinha de ser notado.
Não levou mais que meia hora para que nos contasse as proezas que fez
para enriquecer. Também disse ser de origem humilde. O pai, funcionário
público, tentava sustentar a família com três filhos, com o pouco que ganhava; a mãe, pessoa tímida, vivia envolvida com a casa.
O homem continuava falando no mesmo ritmo que caminhava. A certa altura,
passou a falar de seu status social, e depois baixou o tom da voz para que a
frase seguinte, que iria proferir, viesse revestida de solenidade: “Meus
amigos, eu nunca fiz nada contra a lei, como queria meu falecido pai”.
Em dado momento, demonstrou certo abatimento. Não se tratava de cansaço,
pois mantinha o mesmo ritmo, tanto na caminhada como no monólogo, embora já
tivesse contado toda a história de sua vida. Mas pudemos perceber que alguma
coisa o incomodava.
E foi num fio de voz, e com acanhamento, que disse: “Nunca me sobrou
tempo para leituras, como queria”. Deu-se, então, um hiato de silêncio entre
nós. Depois, prosseguiu: “Amigos, só consegui ganhar dinheiro”. E concluiu: “O
que me incomoda é a inveja que tenho das pessoas cultas, confesso.” Depois, nos
fez um aceno com a mão e caminhou em outra direção.
Taís e eu respondemos ao aceno. E quando passávamos em frente a velha
ponte Hercílio Luz, sentimos em nossos rostos o frescor do vento forte, vindo
do sul. O homem rico já havia desaparecido numa curva, à nossa frente. “As
pessoas deviam contentar-se com o que têm, não achas?”, perguntou-se Taís, com
tristeza.
* * *
Pois é Pedro, as pessoas geralmente atrelam classe social à cultura.
ResponderExcluirConheço pessoas que de bens não possuem nada, mas de saberes são um imenso manancial que nunca se esgota.
Uma crônica, rápida, simples e objetiva.
Disse tudo!
Abraço
Pedro, divertido. Cheguei a achar que o cheiro ruim, vc revelaria no final, vinha do seu novo amigo. Ainda bem que não!
ResponderExcluirVocê se lembra de um cara que há cerca de 5 anos lançou um livro que ensinava a citar grandes clássicos sem ter lido nenhum, só para impressionar? Eu nunca li o tal livro do cara, mas lembro de ter pensado que era, no mínimo, um deserviço à cultura.
Se seu amigo da orla o tivesse lido, poderia ser que enganasse você... Não, não... pensando bem, seria improvável, já que seu conhecimento é sólido como sei que é. Vc o desmascararia de todo o jeito!
abço
Cesar
Vou dar uns "googles" e ver se acho o livro e o cara, um americano. Depois te conto.
ResponderExcluirQuanto ao do Calvino, boa dica!
E obrigado pelo prestígio!
abço,
Cesar
Um gosto estar aqui no seu blogue. Estive a ler o último post,mas preciso de
ResponderExcluirvir com mais tempo para ler mais.
Um abraço
Irene Alves
Olá, Pedro.
ResponderExcluirInteressantíssima, sua crônica. Podemos certamente compreender que algumas praias do mar carreguem o cheiro que os homens lhe deram, e que por vezes injustamente lhe atribuimos. Será mais difícil compreender ou perdoar o odor das fraquezas humanas falseadas. Mas uns como outros nos incomodam, de fato. E somados, toda a paciência e indulgência nos abandonam rapidamente, como você magistralmente registrou.
A questão de ser rico foi muito interessante, também. Alguém disse "a sabedoria é a coisa principal. Adquire, pois, a sabedoria; sim, com tudo que possuis, adquire o conhecimento". Não poderia discordar. Talvez a maior riqueza do mundo seja esta.
Apenas penso que o objetivo de tal sabedoria e de tal conhecimento é a vivenciação do amor e do bem. É onde a riqueza encontra a utilidade que não a deixa estéril.
Perdoe-me a divagação.
Um grande abraço.
Pedro,
ResponderExcluirconfesso que tenho aparecido pouco por aqui... e agora vejo o que tenho perdido! Mas irei ler tudo o que ainda não li.
Gostei desta crónica da vida real e tenho algumas situações idênticas, não com esse desfecho, mas de pessoas que contam a sua vida em escassos minutos, enquanto esperam pelo autocarro (ônibus!)
Este seu espaço bem como o da Taís, deixam-me nas nuvens, pela forma correta com que utilizam a nossa língua tratada com atropelos por tanta gente!
Prometo aparecer mais vezes e agradeço a sua simpática visita ao meu blogue.
Abraço com carinho o lindo casal Luso.
Teresinha
Pois é, muito estranha aquela criatura, fiquei com pena no momento, depois impaciente... O problema dele não era ouvir, era falar. Ficou rico, mas e daí?? Nada mais? Infelizmente tem muito disso, dão valor demasiado ao dinheiro. E resta aquele vazio. Coitado.
ResponderExcluirBeijinho, aqui do lado.
caso raro em que o "TER" se rende ao "SER"...
ResponderExcluirexcelente crónica.
abraço
Ocurre con mucha frecuencia que hay personas que en un momento te cuentan su vida entera aunque no les conozcas de nada.
ResponderExcluirMe ha gustado mucho como describes la situación con todo lujo de detalles.
El relato da para pensar. Este hombre al final, se daba cuenta de que era muy pobre aun teniéndolo todo.
Boa noite Pedro.
ResponderExcluirLi com atenção e acho que ele ele era uma pessoa sozinha, que queria conversar, que bom que foi colocada no caminho dele duas pessoas humanas e educadas, que compreenderam a necessidade dele de falar e foram um bom ouvi-te, confesso que quando me bato com uma pessoa que fala de si mesmo, se valorizando não tenho muita paciência, mas ultimamente estou crescendo um pouco mais espiritualmente, ouvindo mais e falando menos rsrs. Ao terminar fiquei com pena do pobre senhor, conseguiu se tornar rico, mas desistiu de se tornar culto, pois para mim não a idade para se realizar um sonho. Felizes dias para vocês. Abraços.
O dinheiro não enriquece o interior,
ResponderExcluirpode aumentar o vazio dos superficiais
e o abismo na alimentação da inveja a
processos que não se compra, se conquista!...
Crônica excelente, Pedro!!
Abraço.
Abençoado dia!!! Beijos
ResponderExcluirUma excelente cronica Pedro!
ResponderExcluirUm Beijo
Pois é, Pedro. Após Est leitura, vou continuar me regozijando por ter a condição de fazê -la, e
ResponderExcluirde alegrar-me com isso.
Boa semana!
Una estupenda reflexión. Me ha gustado el relato.
ResponderExcluirSaludos
Na verdade, para ganhar dinheiro é preciso fazer algumas concessões. E quanto mais dinheiro, mais concessões. É por isso que se vêm muitos ricos que são estúpidos que nem umas portas...
ResponderExcluirExcelente texto, meu amigo.
Pedro, continuação de boa semana.
Abraço.
Suas crônicas, como as da Tais, são ótimas. De um acontecimento simples, fazem uma narrativa que nos leva a pensar. Sabe, não vejo fim nas possibilidades humanas. Esse homem tem dinheiro, disposição, saúde... porque não aproveitar o tempo e se dedicar à leitura? Por outro lado, a cultura não vem apenas dos livros. Meus pais, simples e sem dinheiro, eram bem informados e sábios. E não tinham inveja de ninguém, apenas desejavam que nós, com os estudos, tivéssemos oportunidade de abrir portas que para eles não foi possível. Abraço.
ResponderExcluirOlá Pedro,
ResponderExcluirÀs vezes, apesar de tudo que se tem, não se alcança aquilo que realmente seria motivo de realização pessoal, o que causa frustração. Este senhor, apesar de rico, era carente deste seu sonho, o que o levou, talvez, a compensar através de uma atitude pouco bonita, de gabar-se do que conquistou. Por outro lado, se ele não encontrou tempo para ler, estudar e buscar cultura, foi por opção própria. Se ele realmente desejasse ler e crescer culturalmente, com certeza, teria encontrado tempo para fazê-lo.
Ótima crônica.
Obrigada pela presença na comemoração dos cinco anos do meu blog e pelas carinhosas palavras.
Abraço.
Muito interessante esse relato com uns anos. Pode e deve servir para uma boa reflexão!
ResponderExcluirA foto é fantástica! Floripa é muito fotogénica, pelo que conheço de imagens que ao longo dos tempos tenho visto!
Abraço
"Era tan pobre que sólo tenía dinero", oí decir de un familiar cuando era niña y no lo entendí. Hoy pienso que sí, que debe ser una tristeza no haber invertido en algún tipo de curiosidad de esas que enriquecen de veras. Porque sólo saber de dinero, qué pena. Y qué aburrimiento, Pedro.
ResponderExcluirOlá, Pedro
ResponderExcluirAchei este seu relato muito interessante.
Há um ditado muito antigo que diz: quem muito fala pouco aprende. Concordo, são palavras muito acertadas.
Efectivamente, se o tal senhor queria ser culto, a primeira coisa que tinha a fazer era aprender a escutar, e permanecer em silêncio.
Muito palavreado pode servir para ganhar dinheiro, mas só...
Vou terminar com um convite - Domingo próximo, dia 14, a minha CASA completa oito anos. Gostaria de o ver, meu caro Pedro, entre os convivas... :)
Bom final de semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Conheço alguém que também é de origem humilde, que tanbém tem riqueza, mas que não sente falta nenhuma da cultura que não tem.
ResponderExcluirSerá feliz ?
bom fim de semana
Hola Pedro, tu relatos se leen rápido y tienen su moraleja. No todo el mundo sabe cuándo debe intervenir y cuando debe callar para que la palabra la tome el otro, también son muchas las personas que se lamentan de no haber desarrollado sus capacidades.
ResponderExcluirBuen fin de semana.
Caro amigo Pedro, ao fim desta excelente cronica, pensei de imediato naquele surrado provérbio "Era tão pobre que só tinha dinheiro", mas enfim, este é composto por criaturas tão diversas!
ResponderExcluirUm abraço. Tenhas um ótimo fim de semana.
Nunca es tarde para adquirir cultura y no se entiende por qué disponía de tiempo para hablar pero no para instruirse. Si no trabajaba ya bien podía no conformarse y ahora "enriquecerse con el conocimiento". Creo que nunca debemos resignarnos a permanecer sin hacer nada por modificar nuestras circunstancias. Es. como siempre suelo advertir, mi opinión. Saludos cordiales. Franziska
ResponderExcluirMe gusta escuchar porque es una forma de aprender. Deberiamos los escritores tener la obligación de enseñar para que en nuestros escritos por pequeños que sean, sea una forma de que el lector aprenda. Por eso soy amante de la novela histórica
ResponderExcluirBuen domingo estimado amigo
Cada persona tiene unas inquietudes, yo las respeto.
ResponderExcluirCon el dinero se pueden conseguir muchas cosas, pero la cultura...
Hay personas que, en un momento dado, prefieren contar su vida a unos desconocidos, es como si quisieran liberarse de algo que llevan clavado en su corazón.
De todas formas, yo le diría: Nunca es tarde.
Cariños y buen día del amor y la amistad.
kasioles
muito interessante.
ResponderExcluirfalta sempre algo no ser humano, sempre!
obrigada pela sua visita e comentário.
beijo
:)
El dinero no es la vida... aunque a vece lo parezca.
ResponderExcluirAbrazos.
Olá Pedro.
ResponderExcluirApesar daquele senhor ter os bens que tinha, não se sentia realisado. Neste caso, o considero pobre...
Um fato real com uma bela reflexão. Ótima partilha, amigo.
Excelente domingo pra você!
Forte abraço.
Uma bela e profunda crónica a partir de um episódio quase trivial.
ResponderExcluirUm homem que apenas precisa ouvir a sua voz e pensamento, e não o pensamento dos outros, e de facto existe tanta gente para quem a dialéctica é apenas uma figura de retórica. Gente que precisa fazer-se notar, relatando o que consideram o seu sucesso, neste caso o dinheiro que ganhou. Dinheiro esse que não lhe permitiu contudo, cultivar-se.
Se tivesse tido tempo para cultivar-se não teria talvez tanto dinheiro, e não o consideraria quiçá, algo de tão primordial. Mas tudo tem a ver com as prioridades que cada um estabelece para si próprio.
Gostei muito, Pedro.
xx
Olá meu caro amigo gosto muito de ler suas crônicas do modo como elas fluem, e captam o interesse do leitor, mas este personagem de sua crônica fez-me lembrar de um antigo vizinho que tinha este tipo de atitude, era pobre dependia de salário e vivia com a mãe em um pequeno apartamento, mas catava as pessoas para contar vantagens de que era rico excêntrico! Dá para crer? Minha mãe sempre dizia quem tem não diz esconde... Há pessoas que têm essa necessidade de aparecer seja lá como for.
ResponderExcluirgrande abraço, Léah