A TRAIÇÃO
– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Aristides Borba sente-se desconfortável quando o amigo diz que precisam
conversar. Pelo tom de sua voz, pressente notícia ruim.
– Você pode me adiantar o assunto? – pergunta Aristides,
sem esconder a ansiedade.
– Não posso, pelo telefone é arriscado.
Aristides aborrece-se com o amigo. Pesa-lhe ainda hoje o medo, que
tantas vezes sentiu na escola. Agora, aos quarenta anos, sente-se igualmente
atemorizado.
– Amanhã fica bem? – pergunta-lhe o
amigo.
– Fica bem sim!
Marcam o encontro para o Clube do Comércio, às quatro da tarde.
Aquela noite de Aristides foi um verdadeiro inferno. Ainda muito cedo, Cleuza
chama-o para o café.
– Não conseguiu dormir, homem?
– Mal preguei os olhos – responde, sem olhar para a mulher.
Há algum tempo, Aristides não vai ao Clube do Comércio. Foi lá que
comemorou a sua formatura pela faculdade de arquitetura. Depois disso, sempre
que pode aparece para algumas doses de uísque. Ali fez muitos amigos, conheceu
Cleuza, e com ela comemorou o primeiro aniversário de casamento.
Aristides chega ao clube às quatro horas. Acomoda-se numa mesa distante
da porta. Pede ao garçom duas doses de uísque, uma para ele e outra para o
amigo, que acaba de chegar.
– Como lhe disse ao telefone, o assunto é delicado – diz o amigo, depois
de alguns goles.
– Então, homem, diga logo do que se trata!
O amigo ajeita-se na cadeira e começa a contar que a mulher de Aristides
tem um amante, há mais de dois anos.
– Só não sei o nome dele – diz sem mudar o tom da voz.
Aristides ouve sem esboçar um único gesto. A palidez dá-lhe a aparência
de morto. Depois do impacto, olha envergonhado para o amigo. Este, até hoje não
sabe de onde Aristides tirou força e pulmões para dar aquele grito de cólera,
que ecoou por todo o clube. Também não
sabe como ele resistiu bater tantas vezes a cabeça contra a mesa, e ainda ter
força para dizer:
– Eu vou descobrir quem é esse canalha...
Sem terminar a frase, Aristides cai da cadeira, já sem sentidos. A
ambulância leva-o para o hospital, com presteza.
Depois de algum tempo, o amigo faz uma visita a Aristides, em sua casa.
Ao lado da cama, Cleuza segura a mão do marido, que se recupera do enfarto.
Mais tarde, o amigo tem notícias de Aristides. Está aposentado, devido à
doença; passeia pelo bairro, com Cleuza; sai sozinho, duas vezes por semana, para
caminhar com outros aposentados, no Parque Farroupilha.
Disseram também, ao amigo, que quando Aristides Borba sai de casa,
nesses dois dias da semana, à tarde, Cleuza aproveita o tempo de ausência do
marido para se encontrar com alguém.
Soube ainda, o amigo, pela mesma fonte, com a devida reserva, que,
quando Cleuza retorna à casa, já sob o manto do crepúsculo, dá ao marido sempre
a mesma explicação:
– Aristides, meu bem, hoje fiz minha visitinha àquela querida amiga, de
quem sempre te falo, estás lembrado?
* * *
Sempre bom te ler.
ResponderExcluirPobre Aristides...
Adorei o conto, Pedro! É mesmo assim que o ciúme funciona: do nada se faz tudo. Há um filme belíssimo, de Sidney Lumet, com o Omar Sharif e a Anouk Aimée nos papéis principais, que se intitula "O Encontro". Trata-se de um homem que tem a certeza absoluta de que a mulher é uma prostituta nas horas vagas. Faz-lhe a vida negra até que um dia, louco de ansiedade, marca um encontro no bordel de luxo com a mulher que ele crê ser a dele. Ela falta. Ele volta a casa e descobre que ela se matou. Fica então com a certeza de que tinha razão nas suas suspeitas. Muitos meses de luto amargurado depois, eis que recebe um telefonema da dona do mesmo bordel, que lhe anuncia que a mesma mulher com quem ele marcara o encontro já se encontra disponível para se encontrar com ele... E o filme termina assim, com um grande plano que espelha toda a perplexidade do marido mortalmente ciumento. Magistral.
ResponderExcluirUm beijinho
PS - Já sou seguidora (e convido-o a reciprocar)
Que verdadeiro é isso! Após tantos sonhos, tantas juras trocadas, tantos projetos idealizados o ser humano não se contenta: tem de aprontar.
ResponderExcluirQue vida horrorosa, quanta ausência de paz. Quanto tempo irá durar a vidinha da dona Cleuza? Que desnorteio essa criatura causou na vida do pobre homem. Por que não se separou? Seria mais digno. Mas 'Dona Cleuza' que o diga, sempre bem vestida né...
Beleza de conto, mostra muito da desintegração moral do ser humano. Li num fôlego e ainda consegui ficar 'cabreira' com essa mulher... to comprando a briga do pobre Aristides!
Linda a obra de Iberê. Mostra o desespero.
Beijinhos, Pedro!
Una preciosa entrada llena de matices y sentimientos encontrados.
ResponderExcluirUn abrazo Pedro
"Humano, demasiado Humano...", caro Pedro Luso - que me perdoe o Filósofo a citação...
ResponderExcluirpalavra a palavra, o conto é repassado de uma visão tolerante e compassiva da vida e da natureza humana, numa escrita de elevado nível.
gosto muito.
e não resisto à tentação, de num tom mais leve, para o que lhe peço licença, rezar uma oração que aqui, em Portugal, me dizem ser plenamente eficaz.
Diz assim a "oração":
"meu Deus fazei que nunca seja cornudo"/se o for que nunca o venha a saber/ se o souber que não me importe..."
deixo-lhe um abraço. e peço desculpa pelo atrevimento.
Não é nenhum atrevimento, ao contrário, sua visita e seus comentários são sempre bem-vindos neste blog.
ExcluirUm abraço.
Lindo dia!!!!!!!!!! Beijos
ResponderExcluirPrezado Pedro,
ResponderExcluiralém dos fatos, as palavras podem criar grandes problemas.
Se o amigo ficasse em silêncio ...
Abraço, boa semana!
Pedro
ResponderExcluirConto humanista, o amigo de Aristides Borba, o quis prevenir da infidelidade. Depois do incidente, Cleusa não deixou de cuidar dele, embora não tendo prescindido das escapadelas.~
Abraços
Olá Pedro,
ResponderExcluirParece estranho que Aristides, mesmo após sofrer um enfarto depois que o amigo lhe comunicou a traição da mulher,continuou casado com a mesma, sem cogitar de uma separação. Isto leva a crer que ele já desconfiava da traição e não desejava a confirmação do fato. Por que ele ficaria preocupado com o telefonema do amigo, a ponto de perder o sono? Talvez tenha pressentido que ouviria o que não desejava. Há pessoas assim, que preferem viver enganadas do que enfrentar uma realidade indesejável. Por outro lado, penso que os amigos devem ter cautela antes de "meter a colher" na vida pessoal dos amigos casados, principalmente em caso de traição, pois o resultado poderá ser trágico. No caso de casais que ainda não selaram compromisso, entendo correto, para preservar os amigos.
Ótimo conto, que me fez "viajar". Cheguei até a cogitar que o amigo de Aristides poderia ser o próprio vilão da história-rs.
Abraço.
Un texto con moraleja sobre la condición humana. A veces es mejor mantenerse en la ignorancia.
ResponderExcluirUn saludo, Pedro.
bem escrito, embora seja ficção, pode acontecer, como foi descrito.
ResponderExcluirum beijo
:)
¿Y si Cleuza, en realidad, iba a ver a su amiga? ¿Y si el "amigo" sólo quiso hacerle daño a Aristides, como cuando eran niños?
ResponderExcluirPerdón, pero es que siempre me ha costado creer a esas voces caritativas que sólo cuentan maledicencias....
Pedro, mais uma vez me encantou com sua narrativa. Na vida real, tenho que não se deve fazer esse tipo de declaração. Amizade também exige respeito e, se não se vai ajudar, não se deve infernizar a vida dos outros. Certamente, Aristides já desconfiava da traição e a aceitava, uma vez que ficou transtornado com a ligação do "amigo". Daí a continuidade de sua união . Abraço.
ResponderExcluirCuitado do Aristides, eu não toleraria traições, a vida é realmente só uma, por isso quem não está bem deve seguir outro caminho e não continuar a enganar quem está ao seu lado.
ResponderExcluirBem descrito.
Um abraço
Maria
Putz, essa Cleusa!😀adorei o conto, o enredo ,aqui em Poa, Parque Farroupulha...
ResponderExcluirMuito legal! Abraços ,tudo de bom!! Lindo fds chica
A vida tem destas "crueldades".
ResponderExcluirUm belo texto meu amigo de que gostei bastante de ler, é sempre um prazer.
Um abraço e bom fim de semana.
Se conformar com uma traição? Não, não dá. Não está dando mais certo, acabou o respeito, o amor já era? tchau e bênção.
ResponderExcluirAgora a crônica foi ótima e envolvente, parabéns! Amei.
abração,
Léah
As pessoas podem ser extremamente cruéis
ResponderExcluirE essa Cleusa... E iguais a ela existem muitas por aí
Um belo conto amigo Pedro
Um abraço
Gostei de ler este belo conto.
ResponderExcluirÉ difícil aceitar traições.
Bom fim de semana.
Um abraço
Oi amigo, desculpe a ausência, aos poucos estou voltando.
ResponderExcluirTe ofereço dois presentes, fique à vontade para pegá-los se quiser:
http://arionetorres.blogspot.com.br/2016/02/o-jardim-da-vida.html
http://cantinho-dos-baixinhos.blogspot.com.br/2016/02/pinturas-de-criancas-4-
fevereiro.html
Tenha uma excelente semana, abraços e fique com Deus!!
No es más que la realidad humana...
ResponderExcluirMuy bueno.
Besitos
Hay personas que solamente quieren hacer daño, tal vez esta sea una de ellas... pero queda la incertidumbre.
ResponderExcluirUn abrazo.
Belo conto para reflexão sobre devemos ou não interferir na relação alheia, pois o que vai se fazer da informação é uma grande incógnita.
ResponderExcluirPensei que no fundo o proprio amigo completaria o trio.
Abraços amigo e bom fim de semana de paz e luz.
Texto bem escrito que prende o leitor. Traição nada bom. Parabéns pelo blog. Um abraço
ResponderExcluirInteresante tema en el que siempre hay dos implicados. En mi larga vida, solo he sabido de casos en los que el protagonista de la deslealtad era siempre el hombre. Casos comprobados. Me hace gracia que quien escribe sobre las traiciones de las mujeres, siempre sean autores. La realidad que yo vivo es muy otra: siempre son los hombres casados -ya de mucha edad- los que andan a la "caza y captura" de alguna presa, si está viudad, mejor...menos complicaciones y sucede que muchas mujeres saben lo que están haciendo sus maridos y no les da ningún infarto porque, en el fondo, no quieren a ese hombre con el que se han casado, solo le soportan.
ResponderExcluirSé muy bien que usted escribe cuentos pero este es muy realista y esta es la causa de mi planteamiento, de dar mi opinión que no tiene ningún ánimo de polemizar. Saludos cordiales y espero con impaciencia su próximo cuento que siempre leo con gran interés.
Franziska,
ExcluirOs seus comentários são sempre motivos de alegria. Sinto-me confortável com as suas opiniões, pessoa afeita à literatura que você é. E, o que você externou agora, sobre “A traição”, de que se trata de um conto realista, é prova do que eu disse. Os seus comentários sempre serão bem-vindos.
Abraços.
Buenas tardes, Pedro, una gozada leerte, eso sí ya con mi traductor, jajaja.
ResponderExcluirBuen fin de semana, un abrazo
Olá, Pedro
ResponderExcluirUm belo conto, muito bem escrito.
Permito-me fazer uma pergunta: será que valeu a pena o amigo contar a "suposta" verdade?
E será que era mesmo verdade? Ou será que Cleusa vai mesmo visitar uma amiga?
Seja qual for a explicação... gostei de ler.
___________
Muito obrigada pelos parabéns à minha "CASA".
Um excelente fim de semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
OI PEDRO!
ResponderExcluirMUITO BOM TEU CONTO.
"AMIGO" DA ONÇA ESTE, NINGUÉM TEM O DIREITO DE FALAR ALGO TÃO GRAVE E SEM PROVAS.
GOSTEI DA AMBIENTAÇÃO DE TEU CONTO EM NOSSA QUERIDA PORTO ALEGRE.
ABRÇS
http://. zilanicelia.blogspotcom.br/
O dito amigo do Aristides não passa de "um amigo da onça"...lembra?
ResponderExcluirNão deveria ter falado e o que estará fazendo sua própria mulher?
Ufa! Que coisa!
Beijos, Pedro!
Un gran cuento... Muchas gracias.
ResponderExcluirTe dejo un fortísimo abrazo.
Pedro
ResponderExcluirexcelente escrita. E dúvidas pairam sobre nossas mentes sobre a traição. Aí podemos concluir, acrescentar, mudar o desfecho. A mentira causa revolta não é?
a traição é sempre um tema interessante.
abraços
Sei o que sofrer uma traição assim.
ResponderExcluirTambém sei o desconforto que se sente quando se ouve #Tenho que falar contigo ".
Bom domingo
Si me pongo en la piel de Arístides, no aguantaría ni un minuto más al lado de Cleuza, vivir con la duda y la desconfianza no es vivir.
ResponderExcluirTanto en la amistad, como en el amor, las cosas cuando más claras mejor y la sinceridad debe ser la base de toda buena relación.
Cariños y feliz domingo.
Kasioles
Eu jamais teria coragem de contar a uma amiga a traição do marido...É cruel demais. Nem todos estão preparados para isto!
ResponderExcluirBjusssssssss
Traições sempre rendem boas histórias...
ResponderExcluirGostei muito de ler, Pedro.
Beijinho.
Alguns "amigos" (os da onça...) têm um prazer perverso em dar más notícias. Neste case, se ele fosse mesmo amigo do Aristides, não teria falado com ele mas sim com a mulher, para que parasse de trair o amigo.
ResponderExcluirO seu conto é magnífico, parabéns.
Boa semana, caro amigo Pedro.
Um abraço.
Olá Pedro.
ResponderExcluirAssunto delicado é sobre traição, um assunto que eu jamais contaria ao um casal se soubesse algo assim, se fosse noivo etc,talvez fala-se, mas casados não. Não consigo entender como um ser humano é capaz de uma coisa assim, muito mais simples a separação. Eu já fui traída, soube da pior forma e ainda tive que demorar meses ate a separação convivendo na mesma casa, e o pior depois da separação nós tornamos amigos e com um ano voltamos e vivemos anos sem nenhum tipo de problema assim. Acho que no caso do seu conto, ele se acomodou, ou quem sabe também estava traindo rsrs. Uma abençoada noite para vocês.