Raduan Nassar
por Pedro Luso de Carvalho
RADUAN NASSAR cursou direito e filosofia na USP. Exerceu diversas atividades. Sua estréia na literatura deu-se em 1975 com o romance Lavoura arcaica. Em 1978 publicou a novela Um copo de cólera. Em 1997 retorna, agora com Menina a caminho (nessa obra encontram-se reunidos contos dos anos 60 e 70). Depois de sua estréia na literatura, Raduan Nassar deixou de escrever.
O conto Aí pelas três da tarde, de Raduan Nassar, integra o livro, Menina a caminho, publicado pela Companhia das Letras, 2ª edição, terceira reimpressão, São Paulo, 2002, pp. 71-73.
AÍ PELAS PELAS TRÊS DA TARDE
(Raduan Nassar)
Nesta
sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis
escreventes dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em
idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se
pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da
qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído),
largue tudo de repente sob olhares à sua volta, componha uma cara de
louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais
escribas mais severos, dê um largo “ciao” ao trabalho do dia,
assim como quem se despede da vida, e surpreenda um pouco mais tarde,
com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa
ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como
era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos,
deixando crescer, por instantes, a intensa espectativa que se
instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto,
libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do
corpo como se tirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em
vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o pudor (o
seu pudor, bem entendido), e aceitando ao mesmo tempo, como boa
verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um
banhista incerto, assome depois com sua nudez no trampolim do patamar
e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de
vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes
lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o
espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobrem a boca com a
mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado,
circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre
com a mesma cara de louco ainda não precipitado), e se achegue
depois, com cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada
entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na
vida, e vá fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os
olhos e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze
a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.
* * *
Um conto diferente, que revela um escritor de personalidade muito própria, uma pena curiosa, de certa forma desobediente das "leis" da literatura. Gostei!
ResponderExcluirObrigado, Pedro.
Cesar
em tempo: ando lendo um autor interessantíssimo: Cristovão Tezza. Aí do Sul, mais um fera do Sul. Se não conhece, leia O Filho Eterno. Já li e já li também O Fantasma da Infância e comecei a ler outro aqui que me fugiu o nome. Excelente!
Raduan Nassar, confesso que não o conhecia, quando der um tempinho vou procurar seus escritos, amo ler e novidades sempre me atraem, ao menos ele é novidade pra mim que não o conhecia, vim deixar meu abração aki amigo meu.
ResponderExcluircom carinho
Hana
Adorei o conto! Vou já no Panorama. Aqui a coisa é completa, vida e obra. Bom para a gente que lê... rs
ResponderExcluirAbraço
Deva