– PEDRO
LUSO DE CARVALHO
ANTÔNIO MARIA (Antônio Maria Araújo de
Morais) nasceu em Recife a 17 de março de 1921. Já com residência
fixa no Rio de Janeiro, cidade da qual não mais deixaria, ganhou
fama, não apenas na Cidade Maravilhosa, mas praticamente em todo o
Brasil. Antônio Maria tinha o dom especial para a crônica, com o
estilo quase sempre descontraído da oralidade, e pela poesia que a
revestia, sem tirar a característica da crônica, qual seja a
simplicidade e a despretensão.
Antônio Maria escreveu suas crônicas
para importantes jornais do Rio: O Jornal, onde permaneceu por 15
anos; O Globo, em 1959 (aí ficou por pouco tempo); e Última Hora,
colunas nas quais publicava suas crônicas diárias.
Seu dileto amigo, o poeta Vinícius de
Moraes, escreveu “Oração para Antônio Maria, Pecador e Mártir”,
crônica que foi publicada em O Jornal de Antônio Maria, 1ª ed. Rio
de Janeiro, Saga, 1968, da qual extraio este trecho: “Às vezes eu
fico pensando. Não sei se você gostaria de estar vivo agora, meu
Maria, depois de 1964. Tudo piorou muito, o governo, o meu caráter,
a música. Agora só se faz música para Festival e perdeu-se aquela
criatividade boa e gratuita da década de 50”.
No dia 15 de outubro de 1964, na cidade
do Rio de Janeiro, o coração desse artista versátil, que já vinha
dando mostras de cansaço, não aguentou mais. Antônio Maria morreu
muito cedo, aos 43 anos.
Segue a crônica de Antônio Maria
intitulada O mar (In Crônicas de Antônio Maria. São Paulo: Paz e
Terra, 1996, 52-53):
O MAR
– ANTÔNIO
MARIA
Banho de mar no recife era “banho
salgado”, e só se tomava com ordem médica, das cinco às sete da
manhã. Antes do sol.
As roupas de banho das mulheres começavam
numa touca, seguindo-se um casaco-sunga escuro (com aplicações
róseas ou azuis) até os joelhos e sapatos de borracha.
Não devia confessar, mas sou do tempo do
“banho salgado”. Acordávamos com a noite fechada, entrávamos em
nossas roupas de banho e partíamos. De carro, para a Boa Viagem. Em
jejum. Ai de quem tomasse café e caísse no mar. Contavam-se casos
de pessoas que envesgaram ou ficaram com a boca torta. Tinha que ser
em jejum como o da comunhão. Nem água.
A família só descia do automóvel
depois que o chofer, pessoa de confiança, fizesse um reconhecimento
da área e garantisse que não havia ninguém (homem) ali por perto.
Na praia, a pessoa mais velha mandava que
todos fizesse o “pelo sinal” e tirava uma ave-maria, a que todos
respondiam, encomendando a alma a Deus, no caso de afogamento ou
congestão.
– Botaram algodão nos ouvidos?
– Botamos.
Davam-se as mãos, moços e crianças,
entravam no mar, até a cintura.
– Um, dois três ... e já!
E mergulhavam agoniados, de mãos dadas,
olhos, ouvidos, boca e nariz tapados.
Essas minhas lembranças vêm de 1928.
Apenas 33 anos. Mas o mar era uma novidade. Um desconhecido.
Fazia-se cerimônia com ele. Tinha-se medo dele. Mar de 1928 era
ainda o mar de Castro Alves. Soleníssimo: “Stamos em pleno mar!”
Fazia medo. O mar de hoje é o de Caymmi. Abrandou. Tornou-se íntimo.
Ninguém respeita.
É doce morrer no mar
Nas ondas verdes do mar...
Daquele mar do Recife, ficou uma
lembrança: o cheiro dos sargaços. A quem os teve, sargaços na
infância, por mais que ande, por mais feliz que esteja, faltará
alguma coisa.
18/11/1961
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Logo seu comentário será publicado,
muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.
Pedro Luso de Carvalho