[ESPAÇO DA CRÔNICA]
CONSULTA PELO PLANO DE SAÚDE
[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
Anualmente consulto o oftalmologista. Há muitos anos, é sempre o mesmo.
Na época em que tinha que aferir se as lentes dos meus óculos ainda estavam
boas, soube que o médico encontrava-se no exterior. E que, por um ano, ficaria
ausente do país. Então, marquei consulta com outro especialista. Mas não achei
nada confortável consultar com um desconhecido.
O médico escolhido para a consulta tinha seu consultório instalado
dentro de uma clínica oftalmológica, localizada num dos bairros nobres da
cidade. Na recepção da clínica, fui atendido por uma elegante recepcionista.
Ela pediu-me que aguardasse a chamada. Foi o que fiz.
Logo o meu nome foi pronunciado por uma delicada voz feminina. Entrei no
consultório do médico desconhecido. Um homem alto fez sinal para que me
sentasse. A cadeira era parte de uma peça única de duas cadeiras, uma frente à
outra, tendo ao centro um suporte para a colocação do queixo.
O médico pediu-me para colocar o queixo no suporte. Em seguida, olhou os
meus olhos, um de cada vez, através de uma lente luminosa. Depois, dirigiu-se à
escrivaninha ao lado, onde escreveu alguma coisa num receituário. Entregou-me o
papel e indicou-me a porta. Já no corredor, ouvi, pela primeira vez, a voz do
oftalmologista:
– O laboratório para os exames fica no andar de baixo!
Saí do consultório, sem ir ao laboratório. Já acomodado no carro, e
ainda espantado ante o atendimento do médico, concluí que a síndrome do SUS – Serviço Único de Saúde – já havia atingido os usuários dos planos de saúde, para meu azar.
* * *
Olá Pedro, parece-me de norte a sul desse Brasil
ResponderExcluira "síndrome do Sus" já se instalou nos planos de saúde.Seu texto muito lembrou uma das minhas consultas....Parabéns!!Bjs.
Excelente essa cronica, Pedro. Nao pelo tema em si, mas pela forma como vc narra: enxuta e rica de um certo vazio, um útil vazio, que se exime de mostrar a indignacao, deixando espaço para que o leitor a sinta, por si so. Abco!
ResponderExcluirCesar
Pedro, amigo!
ResponderExcluirObrigado pela indicação e pelo apoio de sempre!
Bem, depois que eu postei esse comentário, me arrependi, pois não falei exatamente o que queria dizer. Ou melhor, não falei tudo...
Vamos à complementação:
Creio que uma crônica possa ser olhada, pelo menos, por dois importantes ângulos: o conteúdo e a forma.
Aí no caso dessa sua ótima crônica, o conteúdo é indiscutível, visto que vivemos um momento tão inimaginável na saúde, que a saúde privada (que pelo menos era tida como boa, já que por ela se paga, e caro) está se igualando, paradoxalmente, à saúde pública.
Pondo de lado o conteúdo. O que admiro e observo nas boas crônicas é a forma que, quando é acertada, faz dos assuntos mais efêmeros um tratado digno de humor e/ou emoção. Quem leu o Antônio Maria e o Mario Prata (só pra citar dois - um morto e um vivo), entenderá o que estou falando.
Acho que esse não-mostrar a indignação, no caso dessa sua crônica social, produziu um efeito muito mais retumbante do que fazer o que a maioria dos escritores faria: enchê-las de exclamações, palavras de ordem e frases do tipo "me diga, leitor, se isso é possível!?"; "Até quando vamos ter que...!".
Você, Pedro, como escritor elegante e dominador de sofisticadas técnicas, sabe bem disso, e deixou a mim e aos demais leitores indignados e impactados frente ao absurdo, usando "só" do poder do não-dizer; isto que chamo de "o vazio".
Pena vc escrever tão pouco de próprio punho...
Abço grande!
Cesar Cruz