por Pedro Luso de Carvalho
Egito Gonçalves nasceu em Matosinhos, uma vila que foi o centro de uma grande indústria de sardinhas em conservas. Passou a viver na cidade do Porto desde 1948, aí residindo até a sua morte, em 2001. Seu nome completo era José Egito de Oliveira Gonçalves. Exerceu ao longo de sua vida atividades diversas. Publicou seus primeiros livros em 1950. Em 1951 fundou a revista A Serpente (1951), tendo depois participado na fundação e direção de outras revistas literárias: A Árvore (1952-54), Notícias do Bloqueio (1957-61), Plano (1965-68), e Limiar (de que saiu o primeiro número em 1992). Foi escritor e tradutor.
Rio Douro |
A BUCÓLICA MARGEM
(Egipto Gonçalves)
Sento-me então a olhar o rio,
os pensamentos formam cardumes
que contra a corrente se insurgem
mas as águas são inexoráveis;
olhando-as, a superfície cintila,
propaga-se como se fossem notas
de um piano na garupa de um cavalo
que se dirige para o mar.
O Douro bebe as cores da cidade,
sobre elas eu abro o coração
em que te encontras, as colinas
emolduram as raizes que à terra
nos ligam. Para os meus olhos
é momento de pausa: as coisas
que interrogo não resistem à maré,
não dão respostas; perdem-se no mar
como tudo o que a memória não reteve.
Mas este rio
já foi longamente folheado, nele
escrevemos
o romance que nos deu uma casa,
nos cortou o cabelo, nos afastou
das rugas, nos entregou o azul
(tecido, nuvem, divã, janela...)
o voo das artérias, lugar do corpo,
portas que amanhecem, espelho
onde fazemos fluir a vida.
Acordes
da guitarra que forja o horizonte,
que guia o sinuoso voo das gaivotas
e acaricia a pele que rasga atalhos
no interior dos sonhos. Estarei
vivo enquanto assim me guardar
teu coração. E no seu lucilar,
esta água imita o fogo
que devora sombras e escombros,
libertando a asa que no sangue
respira. A foz está próxima,
mas o horizonte é o teu olhar.
No leitor do carro, a guitarra flexível
sublinha o que divago; os acordes
disparam,
encontram-me na trajectória do seu alvo.
REFERÊNCIAS:
ROZÁRIO, Denira. Palavra de Poeta / Portugal. Introdução de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
TORGAL, Adosinda Providência; FERREIRA, Madalena Torgal. Relâmpago, nº 6. Porto: Publicações Dom Quixote, 2001.
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Pedro Luso de Carvalho