Rubem Braga
por Pedro Luso de Carvalho
RUBEM BRAGA nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, a 12 de janeiro de 1913. Graduou-se em Direito e guardou na gaveta esse seu diploma de bacharel para dedicar-se ao jornalismo, escrevendo crônicas, comentários políticos e reportagens para diversos jornais e revistas de são Paulo, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro, onde residia.
Na Segunda Guerra Mundial, acompanhou a Força Expedicionária Brasileira na campanha de 1944-1945, como correspondente do Diário Carioca. Em 1946 fez a cobertura da primeira eleição de Perón, na Argentina. Também trabalhou para esse jornal em 1956, fazendo a reportagem sobre a segunda eleição de Eisenhower, nos Estados Unidos. Mas não ficou por aí, visitou inúmeros países das Américas, Europa, Africa e Índia.
Foi um dos sócios da Editora do Autor e da Editora Sabiá no período de 1967 a 1971. Trabalhou no jornalismo da TV-Globo e escreveu crônicas para revistas. Foi um dos cronistas mais importantes do nosso país. Publicou duas dezenas de livros com suas crônicas, dentre eles, O verão e as mulheres (que é, na verdade, a 4ª edição de A Cidade e a Roça), escreveu o romance Casa do Braga, e fez a adaptação de algumas obras importantes e traduziu Terra dos Homens, Antoine de Saint-Exupéry.
A crônica que segue, Cafezinho, de Rubem Braga, compõe o seu livro O conde e o passarinho & Morro do isolamento. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 156-157.
CAFEZINHO
(Rubem Braga)
Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.
Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:
- Ele foi tomar café.
A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um "cafezinho". Para quem espera nervosamente, esse "cafezinho" é qualquer coisa infinita e torturante. Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:
- Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.
Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:
- Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.
Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:
- Ele está? - alguém dará o nosso recado sem endereço. Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:
- Ele disse que ia tomar um cafezinho...
Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:
- Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí...
Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.
Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.
Rio, 1939.
* * * * * *
Que crônica maravilhosa essa do Rubem Braga! Quando vier a morte também quero sair para um cafezinho
ResponderExcluirParabéns por dividir tanto conhecimento, cultura interessante e essencial. Sempre aprendo muito com seus blogs, preciso lê-los mais.
Abraço
Deva
Ah, Pedro... Não me fala do RUbem Braga! Sou seu grande fã. E olha que tenho lido tudo quanto é cronista brasileiro do presente e do passado! Então, me auto-intitulo, comnenhuma modéstia,um bom entendedor do assunto.
ResponderExcluirO RB foi de fato único, e vou dizer o porquê, baseado no meu ponto-de-vista: Nas crônicas do RB há uma dose de lirismo peculiar, um lirismo que não precisou de esforço para vir à luz, como vemos em alguns de seus pares. O lirismo de RB é natural, é simplesmente assim: simples como uma boa poesia, como aquela do Drummond:
Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
É isso que tem faltado, e que o RB tinha de sobra, essa poesia "simplinha" e gostosa, mas tão profunda e humana.
Abço e feliz 2012!
Cesar
Deva e Cesar:
ResponderExcluirSenti-me recompensado por essa postagem, também porque vocês dois - Deva e Cesar -, que são dois bons cronistas, fizeram seus inteligentes comentários sobre essa bela crônica, "Cafezinho", de Rubem Braga; e isso se deve a admiração que ambos tem pelos cronistas de talento, e em especial a Rubem Braga, em cujas crônicas, como disse acertadamente Cesar, "há uma dose de lirismo peculiar".
Um grande abraço aos dois.
Pedro.
LER RUBEM BRAGA É SEMPRE ALGO PRAZEROSO E FASCINANTE.
ResponderExcluirGENIAL, ELE TIRA DA CARTOLA DO CORAÇÃO PROSA BELÍSSIMA EM FORMA DE POESIA.
UM VERDADEIRO MESTRE DA CRÔNICA!
AVELAR SANTOS
Falar de Rubem Braga,das suas cronicas, parodiando o espanhol, para encher tanta vela faltou vento, acredito para riqueza da patria,coloca-lo lado a lado, com Humberto de Campos, os dois maiores, os dois melhores, os dois legítimos de Braga.
ResponderExcluirObrigado, Braga, por sua visita.
ExcluirSem dúvida, Humberto de Campos e Rubem Braga são dois cronistas, dentre outros,que permanecem vivo na nossa literatura.
Um abraço,
Pedro.
As crônicas de Rubem Braga são deliciosas, elas nos viciam . Esse ilustríssimo autor consegue misturar o simples com o complexo, fazendo com que a leitura de suas obras seja muito prazerosa. Renata Weber
ResponderExcluirRenata.
ExcluirVocê tem toda razão, Rubem Braga, que é um dos nossos mais importantes cronistas, consegue mostrar-nos que, para ele, nenhum fato, nenhuma pessoa, nenhum acontecimento é sem importância; ele consegue ver o que há de valor, de beleza, de humano nos desvãos de tudo o que cerca o nosso cotidiano.
Abraços,
Pedro.