[ESPAÇO DA CRÔNICA]
MADRASTAS E ENTEADAS
- Tais Luso de Carvalho
Coisa rara de se ver é um
bom relacionamento entre madrastas e enteados. Não que ambos não queiram, mas
porque é muito difícil. Porque existe uma mãe e um pai biológicos, e que
nenhuma criança abre mão.
Se entre parentes, que
são sangue do mesmo sangue, já é difícil uma harmonia em tempo integral, fico a
imaginar alguém ser obrigada a conviver com os filhos da outra, ou do outro. Na
teoria parece que tudo será resolvido no novo lar, que haverá harmonia, carinho
e compreensão. Mas não é o que acontece na prática. Na prática, é encrenca! É
desafio.
Quando tudo parece andar
mais ou menos bem, o relacionamento degringola entre a mãe biológica, a madrasta
e o ex-marido, ou seja, o pai dos anjinhos. E a festa de antes, já não parece
mais tão alegre. Existe sempre por parte da ex-mulher um amor próprio ferido.
Uma cicatriz que não fecha. Não importa quem saiu do relacionamento, mulher não
perdoa.
Não estou dizendo nada
que não se saiba, o dito popular já inventou a dura palavra para uma das
partes: (ma)drasta! É uma palavrinha chula e horrorosa. Significa inclemente,
pouco carinhosa. Quem vai mudar isso se até Manuel Bandeira, num de seus belos
poemas, chora dizendo que até a vida lhe é madrasta? Difícil, não?!
E a palavra enteada? É
horrível, é como se a pobre levasse um néon na testa mostrando que não é a
filha do novo casal, e sim a intrometida, a sombra da 'ex' fiscalizando a vida
do pai e levando histórias mal contadas para fora de casa. Leva e traz
sentimentos feridos. Porém há exceções: deve haver muitas enteadas amadíssimas,
e muitas madrastas diferenciadas, carinhosas.
A enteadinha já tem na
ponta da língua o que está em seu inconsciente: você não manda em mim, você não
é minha mãe, é a intrusa; quem manda é o meu pai e a minha mãe!
Isso enquanto é ainda
criança; na adolescência o relacionamento já fica mais pesado. Mais funk! E
depois da troca de amáveis palavras, o barraco pega fogo. O que prometia ser um
relacionamento mais ou menos, ficou no menos. Mas cada caso é um caso. No geral
é uma mixórdia nos sentimentos de todos. É difícil haver um certo equilíbrio
nesse convívio nada natural. Nada é natural diante de uma família que não é a
de origem.
A madrasta, por si, não
terá muita paciência com os enteados que já vêm de cabeça feita; que estão mais
pra bagunçar, pra peitar a atual mulher do pai.
A princípio, a madrasta
entra numa relação cheia de amor pra dar, com o objetivo de conquistar a família,
a empregada, o cachorro e tudo que circunda a vida do atual companheiro;
esmera-se em quitutes, passeios e sorrisos. Mas, ao mesmo tempo passa a apitar
e a mostrar quem manda no pedaço, afinal, a casa agora é dela. Pode dar certo?
E se a enteada morar junto? Só muito equilíbrio e paz familiar para superar
inúmeros problemas.
A madrasta tem uma
obsessão: reeducar a enteada. Por outro lado, a enteada acha que tudo o que
vier da madrasta, será para o mal dela, para enticar.
É uma das relações mais
difíceis, pois envolve carências, frustrações, sentimento de traição, abandono,
culpas, perdas e desamor de várias pessoas problemáticas, e na qual cada uma
quer resolver o seu problema. Envolve uma família desfeita, que foi pro brejo,
que infelizmente não deu certo. E, quando não dá, a separação talvez seja menos
sofrida do que ver agressões entre os pais e as atitudes destemperadas
certamente respingará na formação dos filhos.
Ao meu ver, para tantos
problemas entre madrastas e enteados só resta uma conversa franca e sem
agressões no novo núcleo familiar ou terapia de apoio com um profissional da
área. Cada caso é um caso.
Talvez dê para apagar o
fogo do barraco e salvar alguma coisa. Reconstruir algo melhor, uma convivência
mais pacífica, deixar o coração falar. Deixar que a alma se vista de ternura,
de tolerância, de compreensão e de amor, pois afinal, de que vale levar uma
vida nessa amargura?
Quando se ama, vale
tentar. Acredito que o amor vença barreiras e vaidades. Essa luta não deixa de
ser uma superação. Uma incrível superação!
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Pedro Luso de Carvalho