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10 de ago. de 2010

JEAN-PAUL SARTRE & O CINEMA

O parisiense Jean-Paul Sartre (1905–1980), um dos mais importantes intelectuais do século XX, que nos legou O ser e o nada, Crítica da razão dialética (filosofia); A náusea, A idade da razão, Sursis, Com a morte na alma (romance); A palavra (autobiografia); As moscas, Entre quatro paredes (teatro); O que é a literatura? (crítica literária), entre outros trabalhos, também era admirador do cinema, como nos conta Simone de Beauvoir, em sua obra Na força da idade: “Havia um modo de expressão que Sartre colocava tão alto quanto a literatura: o cinema. Foi olhando passarem imagens numa tela que teve a revelação da necessidade da arte e descobriu, por contraste, a deplorável contigencia das coisas dadas. Pelo conjunto de seu gestos artísticos, ele era mais clássico do que moderno, mas essa predileção situava-o entre os modernos. Meus pais, os seus, todo um vasto meio burgues ainda encaravam o cinema como um divertimento para o povinho; na Ècole Normale Sartre e seus camaradas tinham consciencia de pertencer a uma vanguarda quando discutiam gravemente as fitas que apreciavam. Eu estava menos entusiasmado do que ele, mas acompanhava-o assim mesmo com empenho aos cinemas de exclusividade e aos pequenos cinemas de bairro onde ele descobria programas convidativos; não íamos apenas para nos divertir; e sim com a mesma seriedade dos jovens devotos quando entram numa cinemateca. Contei como Sartre me desviara das “fitas de arte” - prossegue De Beauvoir - para me iniciar nas cavalgadas de 'cow-boys' e nas histórias policiais. Levou-se um dia ao Studio 28 para ver William Boyd numa clássica história de Hollywood: um tira honesto e de grande coração descobre que seu irmão é criminoso. Drama de consciencia. Aconteceu que, logo no início do espetáculo, passaram uma fita que nos deixa estonteados, Le chien andalou de Buñel e Dali, cujos nomes ignorávamos. Tivemos algumas dificuldades, em seguida, em nos interessarmos pelos tormentos de William Boyd. Houve outras fitas durante esses dois anos: Tempestade sobre a Ásia, Sinfonia nupcial, Mulheres de uniforme, Luzes da cidade. Observamos com curiosidade arisca o início do cinema sonoro e falado: Melodias da Broadway, O espectro verde. Em O cantor de jazz, Al Jolson cantava Sonny boy com uma emoção tão comunicativa que tive a surpresa, ao acederem as luzes, de ver lágrimas nos olhos de Sarte: ele chorava de bom grado no cinema e eu lamentava o esforço que eu fazia para não me abandonar às lágrimas. O Milhão – diz De Beauvoir - fez-nos rir, encantou-nos, entusiasmou-nos; era um estilo perfeito, mas nós o considerávamos excepcional e não aprovamos Jean Prévost quando escreveu com ousadia: “Acredito nas possibilidades e no futuro artístico da fita falada”. Aleluia, entretanto, teria sido bem menos comovedora sem os cantos dos atores negros, a beleza dos spirituals e, na perseguição mortal com que a fita termina, sem o murmurinhar da lama, sem o atrito das folhas em meio a um trágico silencio. E que teria ficado do Anjo Azul se houvesse calado a voz de Marlene Dietrich? Concordávamos. Mas, assim mesmo, Sartre gostara demais do cinema mudo para encarar sem descontentamento a possibilidade de o cinema falado poder suplantá-lo um dia; sem dúvida conseguiram desembaraçá-lo e certas imperfeições técnicas grosseiras, dar-lhe a sonoridade das vozes com a distancia e os movimentos; mas a linguagem das imagens, pensava Sartre, era um todo que se bastava; estragá-lo-iam superpondo-lhe outro; a palavra era, a seu ver, incompatível com esse irrealismo – comico, épico, poético – que o apegava ao cinema”. REFERENCIA: BEAUVOIR, Simone de. Na Força da Idade. Vol I. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1961. págs. 43-44.

Um comentário:

  1. Obrigada pela aula Pedro.

    O cinema, que nem sonhava com os tantos recursos e efeitos especiais de hoje, tinha de contar com a força da história e com a poesia de cada cena. Conheço quase nada, me encantei ao ver Charlie Chaplin com seu "O Vagabundo" e também com o brasileiríssimo Mazzaropi. Hoje assistimos um espetáculo de imagens de superproduções e saímos da sala do cinema vazios.

    Beijos

    Deva

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Pedro Luso de Carvalho