>

26 de dez. de 2016

[Conto] PEDRO LUSO – O Velho




                     

           O VELHO
           – PEDRO LUSO DE CARVALHO


A acompanhante observa o velho. Ela está preocupada. Sente que ele não está bem, ali na sala de estar, em meio a tanta gente, no dia em que se reuniram filhos, netos e bisnetos para comemorar o seu aniversário. Está fazendo noventa anos. A ela não passa despercebido que os jovens gostariam de estar bem longe dali, onde se encontravam os seus amigos.
Terminado o jantar, o velho logo se retira para o quarto, apoiando-se no braço firme da acompanhante, que o deixa sentado na poltrona, ao lado da cama. Ali o velho permanece por algum tempo. Através do vidro da janela ele vê duas árvores grandes, no pátio, que sempre florescem na Primavera. Ao sentir-se emocionado, desvia o olhar da janela.
As mãos enrugadas, desenhadas por azuladas veias, repousam sobre os joelhos magros, como pássaros feridos. O corpo do velho treme, por alguns instantes, sobre a poltrona. Então lhe veem à mente lembranças do bom tempo que viveu ao lado da esposa, já falecida. Atualmente ela está no porta-retratos, sobre a mesinha. Ele leva a foto à altura do rosto e a beija.
Agora o velho está calmo e lúcido. Sabe ele que percorreu o caminho que tinha para percorrer. Tem ele a consciência de que soube cumprir o seu destino honestamente, e não ignora que não há mais nada que possa fazer aqui. Sente-se impaciente ao pensar na morte; impaciência que é fruto da longa espera. Pergunta o velho, em voz baixa: “Por que esta cruel espera?”
O velho afrouxa um pouco a gravata, depois levanta-se da poltrona e alisa com as longas mãos o paletó amassado, fazendo movimentos quase imperceptíveis, por lhe faltar força. Com as pernas um pouco trêmulas, mantém-se de pé enquanto ajeita a gola da camisa, por ser importante os cuidados com o vestuário, ainda mais agora que que vai encontrar-se com a esposa.
Depois o velho deita-se na cama macia, puxa as duas pontas do paletó para lhe tirar os amassados, acomoda a cabeça no travesseiro, estica as pernas, junta os pés, coloca as mãos sobre o peito, uma sobre a outra, e fecha os olhos. Ali permanece quieto, e retém a respiração para ouvir o zunir do vento. As suas fortes lufadas contra a janela revivem a distante infância.
Assim permanece o velho, dignamente preparado para o própio velório. Enquanto espera por isso, mantém-se esticado sobre a cama. O vento fustiga a janela, sem lhe causar o temor que sentia quando menino. O vento agora vem para apagar a réstia de luz que tem nos olhos. Amanhece. A cuidadora entra no quarto do velho e baixa, com respeito, as cansadas pálpebras.



   
 *    *    *





45 comentários:

  1. Que lindo Pedro

    Delicada forma de narrar uma etapa tão difícil da vida.

    Beijos
    Ani

    ResponderExcluir
  2. Gostei do texto. Achei muito sensível e de forma delicada a passagem do "velho" para o descanso eterno.

    Beijos, Pedro.

    ResponderExcluir
  3. Poxa... conto forte; não preciso me estender muito para dizer do cansaço e da visão do velhinho quanto à vida. Já viveu tudo, alcançou o marco máximo do desinteresse em continuar na estrada. Preparou a sua própria partida. Que fique em paz, o coitadinho.

    Beijinho, Pedro!

    ResponderExcluir
  4. Lembrou-me o "Soneto da Hora Final", do grande Vinícius de Moraes...

    Parabens.

    Edson Farias
    Cajazeiras (PB)

    ResponderExcluir
  5. Olá, Pedro.
    Obrigada pela visita, gostei da sua sugestão. Vou conferir.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  6. Al tramonto della vita, si deve lasciare tutto e quell'alito di vento, suggella l'ultimo respiro di una persona che ha compiuto l'intero percorso
    Sempre bello leggerti, Pedro, mille cari auguri di buone feste e un saluto,silvia

    ResponderExcluir
  7. Felices fiestas
    Gracias por tus visitas en mi blog es mucho de agradecer.
    Besos

    ResponderExcluir
  8. Muito lindo e bem contado,Pedro .
    Triste e essa partida chegará pra todos um dia...

    FELIZ 2017 e que nos encontremos sempre com alegria, saúde e sem os pés esticados,(aliás, não vou poder esticar os pés, pois me dá câimbras,rs...abração,chica

    ResponderExcluir
  9. oi, Pedro, uma morte digna, quase um Dalai-Lama...na plenitude da consciência e na aceitação de missão cumprida.
    Bonito e delicado conto.
    Um abraço e um 2017 pródigo de bençãos de Deus!

    ResponderExcluir
  10. Olá Pedro, espero que tenham passado uma bela noite de Natal e que assim a semana derradeira seja leve para novos sonhos de um ano melhor e novo de verdade, para este país em agonia.
    Uma bela cronica entre o romantismo e a certeza da morte, que coloca o leitor na cena com as belas descrições. A vida que esvai lentamente quando desta já nada se espera e estar nela ja não inspira como o personagem nos passa pela mãos do cronista. E como um pássaro alça seu ultimo voo serenamente.
    Bravo amigo e aproveito para lhe agradecer a companhia e as belas indicações.
    Que possamos em 2017 estar nesta sintonia.
    Meu terno abraço de paz amigo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado poeta Toninho, pelo comentário sobre o meu conto e pelo voto de um bom ano novo, que retribuo ao amigo.
      Grande abraço.

      Excluir
  11. Um conto muito emocionante.
    ✧ه° ·.

    Que o menino Jesus faça morada no seu coração
    em todos os dias de 2017!


    FELIZ ANO NOVO!!!

    ResponderExcluir
  12. Pedro,

    Um conto obra de arte este seu. Uma narrativa na excelência
    e limpidez literária; uma estória comovente e com belas
    construções poéticas. Parabéns!
    Apreciei muito a leitura aqui.

    Grata pelo seus votos no meu espaço.
    Deixo os meus votos de 2017 luminoso,
    pacífico e pleno de realizações para
    você, Taís e filhos.
    Abraço.

    ResponderExcluir
  13. belíssimo conto, Pedro. assim devera ser!
    quem bem vive, melhor merece morrer.

    forte abraço.
    os meus calorosos votos de Bom Ano

    ResponderExcluir
  14. En los últimos momentos volvemos a nuestra nada y allí encontramos la paz.
    ¡FELIZ AÑO NUEVO!!

    ResponderExcluir
  15. Es triste envejecer, y sobre todo, si está uno solo, sin la persona amada. El pobre viejito esperaba el reencuentro con su amada. Ya nada le quedaba por hacer en este mundo.
    Bonito y triste cuento, Pedro.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  16. Deveria ser sempre assim, Pedro.
    Deveríamos partir deste mundo sem dor, nem aflições, serenamente...
    É sempre um mistério o facto de tantas crianças agonizarem com cancro.

    Lindo o seu conto amoroso de final de vida, neste final de ano que, ao
    contrário do bondoso personagem nonagenário do seu conto é, mesmo,
    um velhote ruinzão... para esquecer...

    Grata pelos bons momentos de leitura e troca de impressões.
    Abraço de ótima amizade, com votos de dias muito agradáveis.
    ~~~~~~~~~~~~~~~~

    ResponderExcluir
  17. Olá, Pedro
    Um conto escrito duma forma muito leve e suave, mas com um conteúdo muito forte.
    Emocionei-me, ao ler.
    Manter a dignidade na morte nem sempre é fácil, mas este senhor soube encará-la com toda a elegância - se assim se pode dizer - e até uma certa beleza.
    Gostei imenso, Pedro.

    E agora que o Natal passou... desejo que tenhas uma excelente passagem de ano, e um 2017 pleno de felicidade.

    Continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

    ResponderExcluir
  18. Hola, Pedro. Tu escrito me ha dejado profundamente conmovida. Es la mirada del narrador que saber ver.
    Un duro texto para leer en estas fiestas donde el ruido invade los sentimientos del veterano que comprende la época y agradece las visitas de los suyos. Pero como ha vivido años en que se sentía el Rey del Mundo y sabe muy bien que uno sólo experimenta algo así cuando tiene al lado la persona con quien compartir la sensación, desearía volver con ella al Tiempo de las Cerezas.
    Te deseo una feliz entrada de 2017 con todos los tuyos.

    ResponderExcluir
  19. Pedro Luso
    O conto é bem figurativo de que se deve e pode usufruir de uma velhice com dignidade. Para tal a consciência do dever cumprido, ajudará bastante a espera de entrar noutro reino.
    Abraço de Feliz Ano de 2017.

    ResponderExcluir
  20. Oi Pedro,
    Não precisa ser velho para querer morrer, pois se você quer acontece.
    Adorei o conto: é vida escrita no pergaminho.
    Beijos no coração
    Lua Singular

    ResponderExcluir
  21. Quem soube viver saberá morrer. Esta é uma das lições que podemos tirar deste magnífico conto. Com uma narrativa elegante o Pedro trabalha muito bem um tema duro: a velhice e a morte.
    Vêm aí um novo ano. Nestes dias, para além da festa, há o desafio que nos é colocado para introduzir alteracoes ou manter o rumo tendo em vista o cumprimento da máxima com que inicio este comentário.
    Um Bom Ano, Pedro.

    ResponderExcluir
  22. Viveu de forma tão peculiar e suave que partiu sem alarde.
    Despediu-se da vida como a brisa morna ao cair do crepúsculo
    Um belo conto Pedro
    Que o ano de 2017 seja um manancial de vitórias e conquistas
    Desejo que tudo o que há de melhor esteja reservado para você
    Que no novo possamos continuar juntos a nossa caminhada virtual
    Foi uma honra ter a sua agradável companhia
    Um abraço com ternura

    ResponderExcluir
  23. Haja dignidade na despedida da vida. Dito assim parece simples, mas o talento não está na passagem do velho, mas no brilho da linguagem, sem ela, adeus dignidade; ou a Deus a dignidade. Noutras palavras, belíssima narrativa. É nela, repito, que repousa a dignidade d transcendência da morte.
    Que tenhamos um 2017 leve e de muitas realizações, entre as quais o da depuração da linguagem.
    Forte abraço, meu caro Pedro.

    ResponderExcluir
  24. Sempre maravilhosos os seus contos e escritos que nos prendem deste lado!
    Desejo para o meu amigo e família, um feliz e maravilhoso ano de 2017 como muita saúde e tudo mais que deseje.
    Abraço

    ResponderExcluir
  25. Um belo conto amigo Pedro de que gostei bastante e aproveito para desejar ao meu amigo um Bom Ano de 2017.
    Andarilhar

    ResponderExcluir
  26. Muito bom!
    Pensei muito inclusive no meu momento final.
    Como será? Quem estará comigo?
    Obrigada por nos proporcionar este momento de reflexão.
    abraço
    Lola

    ResponderExcluir
  27. Es un cuento muy interesante por el instante del final de la vida que el protagonista presiente. Es un final extraordinario.

    Hoy he vuelto a leer su relato en portugués y, por pura curiosidad, he clicado sobre el traductor al español. ¡Qué texto tan poco inteligible hace el traductor robot de un texto tan bien redactado y, claro, he pensado ¿qué hará cuando traduzca mis versos? Creo que voy a hacer la prueba ahora mismo. La verdad, si no se entiende bien lo que escribo, mejeor dejarlo que traducirlo por los medios que da Blogger. Volveré a contarle mi experiencia.

    Un abrazo. Franziska


    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Franziska você está com toda a razão, o tradutor que fica à nossa disposição não faz tradução correta, mas, ao contrário, deturpa completamente o original. Por esse motivo, não o uso. Os teus poemas, amiga Franziska, leio-os no original, por gostar da língua espanhola e por entendê-la bem.

      Abraços.
      Pedro.

      Excluir
  28. Acabo de confirmar los errores de traducción de textos míos en inglés y en portugués, no solo cambian el género del sujeto sino que también modifican el sentido del texto. No volveré a usarlo, si no entiendo alguna palabra, me levanto y busco en el diccionario. Así, me fijo más al leer e iré aprendiendo portugués.

    ResponderExcluir
  29. Uma partida tão serena, que bom seria termos todos uma assim.
    Amigo Pedro, um conto deveras emocionante e terno, obrigada!

    Desejo-lhe um Ano Novo repleto de harmonia e paz, que consiga realizar os seus sonhos e dividi-los com quem ama.


    Um beijinho com amizade

    ResponderExcluir
  30. Boa tarde, Pedro,
    penso às vezes,no medo em esperar pela morte, não a morte em si,mas o período que ficamos na espera.Percebe-se em seu conto que o velhinho estava muito bem preparado para a passagem. Ao mesmo tempo recordo que há muitos idosos que nesta mesma idade ainda têm grandes sonhos e, que levam adiante para realizá-los. Porém, ao velhinho do seu conto, não restava mais nada, a não ser ir ao encontro da amada. Belíssimo e emocionante! Feliz 2017! Abraço!

    ResponderExcluir
  31. ¡¡Que triste Pedro!!
    Como siempre muy interesante, aunque a los que hemos pasado ya los ochenta nos de un poco de pena.
    Te deseo una feliz nochevieja y un buen Año Nuevo.
    Un fuerte abrazo

    ResponderExcluir
  32. Lo triste es así, así es la vida

    Feliz Año nuevo.

    Abrazos.

    ResponderExcluir
  33. Um tema muito forte que gostei de ler.
    Um excelente Ano.
    Abraços

    ResponderExcluir
  34. Mi muy estimado Pedro, vengo a desearte un magnifico 2017. Un beso enorme y gracias por tu amabilidad al leerme siempre que puedes

    ResponderExcluir
  35. Es una interesante historia, estimado Pedro. Da motivos para reflexionar, sobre todo a los que ya estamos a las puertas de cumplir 81.

    Feliz 2017.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Amigo Esteban:
      Claro que o conto O velho é apenas uma ficção. Na vida real vemos pessoas perderem o gosto de viver com 50 anos , ou menos, e conseguem por fim às suas vidas, o que não é uma atitude normal.
      Por outro lado, temos inúmeros exemplos, aqui no Brasil, de pessoas que passaram em muito dos 90 anos . Minha mãe tem 99 anos , está lúcida e convive normalmente com a maioria dos seus oito filhos. Além dela, menciono o nosso célebre arquiteto, Oscar Niemayer, que nunca deixou o cigarro, morreu aos 102 anos de idade. Ontem vi na TV uma senhora de 102 anos , muito elegante, falando das coisas boas da vida.
      Teria que escrever muito se fosse mencionar pessoas com mais de 95 anos de idade , muitas delas ligadas à literatura e às artes, como é o caso da nossa Bibi Ferreira, que logo fará 100 anos , ainda se apresentando nos melhores palcos do Brasil e do exterior, que, com sua linda voz, é ainda hoje uma das mais importantes intérpretes de Edith Piaf.
      Portanto, amigo Esteban, vamos fazer um brinde à sua bela idade. Parabéns.
      Boa virada de ano , com toda sua família, são os meus votos e da Taís.
      Abraços.
      Pedro.

      Excluir


  36. Abra caminho para um ano novo cheio de paz, fé, saúde e muita harmonia.
    Deixe para trás tudo que não deu certo e
    olhe para o futuro com esperança.

    FELIZ ANO NOVO!!!

    ✿゚ه.‿⎠

    ResponderExcluir
  37. Venho desejar-lhe um bom 2017!
    Que traga muitas coisas boas!

    ResponderExcluir
  38. Boa tarde Pedro.
    Tocante relato da sabedoria e conformismo do senhor, ao esperar a morte com resgnaçao e coragem. Quando eu era jovem e observava idosos falecer não querendo morrer eu ficava me perguntando como eles fugiam da morte, sabendo que é o caminho de nós todos. A vida me ensinou que a idade não tem muito a ver com a paz em saber que chegou a hora e aceita-la. Muitos idosos prefere sofrer a velhice do que enfrentar a morte como esse senhor, que morreu em paz, sabendo que já viveu o bastante. Um lindo e feliz 2017 para todos. Um beijinho carinho na Tais. Forte abraço.

    ResponderExcluir
  39. Todo muy claro, amigo Pedro. Me alegro por todos los longevos, empezando por el caso de tu madre.

    ResponderExcluir
  40. Boa tarde Pedro.
    Não poderia deixar de vim lhe agradecer pelas palavras carinhosas deixadas no ano passado rsrs [ Ontem] Obrigada pelo carinho conosco. Com certeza estaremos juntos nesse novo ano, amo ler as suas cronicas e da querida Tais. Meu amigo uma linda semana e més de Janeiro para voces. Enorme abraço.

    ResponderExcluir
  41. a partida preparada para a viagem sem retorno.
    muito emocionante.
    beijo
    :)

    ResponderExcluir
  42. Um final de percurso... descrito de uma forma muito tocante...
    Gostei imenso, Pedro!
    Para ler e reler...
    Um grande abraço! Feliz 2017!
    Ana

    ResponderExcluir

Logo seu comentário será publicado,
muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho