A MORTE ENCOMENDADA
– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Na estrada de terra formam-se pequenos tufos de poeira, com o
tamborilar dos cascos do cavalo contra o chão. Afiadas esporas
pressionam o ventre do animal. Venâncio quer chegar à casa do
compadre antes do anoitecer. A tarde é quente e silenciosa. Apenas o
som do trotar obstinado quebra o silêncio. Venâncio ajeita-se na
montaria. Lembra-se do trato recém-feito. A família do estancieiro
não lhe pagará antes que a sua morte seja vingada. “Será que o
compadre matou o estancieiro?” – questiona-se.
Mesmo conhecendo seu compadre – bom marido e bom pai –, Venâncio
não deixa que a dúvida mude os seus planos. Pensa somente no
dinheiro. Vem-lhe a mente a festa do batizado do afiliado. Lembrança
que logo se apaga. Importa é levar adiante o seu plano. Qualquer
descuido pode custar-lhe a vida.
– Daqui já avisto a casa do compadre – fala em voz alta, como se
conversasse com o animal, que avança na cadência de sua marcha.
Um frio perpassa-lhe o corpo. Conhecia bem a valentia do compadre.
Mas sabe que, com cuidado, logo terminará o serviço. Sente-se então
animado ao pensar na recompensa. No dinheiro, que facilitará a
criação de seus dois filhos.
No pequeno sítio, o compadre prepara-se para a doma. Já havia
encilhado o cavalo. Ventas inchadas, o animal relincha e se joga
contra a cerca. Joga as patas dianteiras para o alto, e desce
agitado. Forte coice atinge o palanque, no qual esta preso pelo
cabresto. O compadre pensa, com uma ponta de orgulho: “Gosto desse
cavalo safado”.
Ia montar, mas esperou a mulher, que vinha em sua direção. Ela diz
ao marido que Venâncio havia chegado, e estava à sua espera. O
homem fica incomodado com a visita inesperada. “Tanto serviço tem
por fazer”, pensa. Precisa domar o cavalo para os trabalhos do
sítio. Deixa o animal e vai ao encontro de Venâncio. A mulher
segue-o, caminhando atrás dele.
– Buenas, Venâncio! – A que devo a visita?
– Buenas, compadre! – Estou de passagem, e parei para ver o
afiliado.
A criança chora no berço, no quarto ao lado da sala. A mulher pega
o filho nos braços e o embala. Ouve pedaços da conversa dos dois
homens. O tom da voz de Venâncio deixa-a inquieta. Nunca o viu
assim. Um mau pressentimento faz com que aperte o filho contra o
peito.
– Mulher, o Venâncio vai ficar para um prato de sopa.
– Está bem – responde ao marido. – Não demoro.
Os homens continuam conversando na sala. Venâncio tropeça ainda
mais nas palavras. Com o lenço, seca o suor do rosto. A mulher vem
avisar que a sopa está servida. Sentam-se à mesa. Terminada a sopa,
os dois homens voltam à sala para continuar a conversa.
– Compadre, me permite pegar meu afiliado? – Faz tempo que não
vejo o guri.
A mulher não precisa ser chamada. Entra na sala com a criança e a
entrega ao padrinho. Da cozinha, ouve a conversa dos dois homens, e os vê
sentados, um diante do outro. Naquele instante, assusta-se com o
estampido que ouve, e entra desesperada na sala, quando Venâncio
entrega-lhe o filho e sai rapidamente. No chão, o marido agoniza.
* * *
Pedro, que surpresa tive com esse conto! Trama pesada, regada por um ato de muita covardia pensada, porém conseguiste colocar até um pouco de poesia no galopar do cavalo, no tamborilar dos cascos ao chão e as esporas a incomodar-lhe o ventre; a poeira levantando... a descrição está bela.
ResponderExcluirMas o que nossa espécie não faz movida por tão baixos interesses? Com seu compadre! Que triste futuro o da criança... Tua descrição vai afunilando e termina num triste fim. Na mais pura agonia.
Beijinhos!!
Conmovedora historia con un final triste y de futuro incierto para el niño. Excelente y secuencialmente perfecto.Un abrazo
ResponderExcluirconto maravilhoso..rico em detalhes.. senti todo o drama que o Venâncio viveu me senti angustiada torcendo para que ele não fizesse o "serviço". final triste e mais uma vez é comprovado que o dinheiro está acima de valores morais.. adorei seu blog..beijo
ResponderExcluirA covardia é típica da personalidade de muitos assim como a ganância também, o que fica bem explicito aqui. Gosto da sequencia lógica que usa nas histórias que escreve, Pedro, e sempre com a riqueza de detalhes nas narrativas.
ResponderExcluirUm abraço.
O tempo nos consome e portanto a ausência se fez presente, compreende?
Olá Pedro!
ResponderExcluirTê-lo como seguidor é, verdadeiramente, uma honra. Faz-se, entretanto, oportuno parabenizá-lo pela beleza de seus escritos.
Abraço,
Visitando, lendo, conhecendo!
ResponderExcluirBoa estratégia, pegar a criança para disfarçar...
abração, volto.
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Vine a visitar tu blog... y a dejarte una sonrisa.
B E S O S
K I S S
P E T O N E T S
Gostei de descobrir esta história e o seu blogue!
ResponderExcluirGosto da sua escrita fluida.
Até breve!
Um belo conto meu amigo com um final dramático.
ResponderExcluirUm abraço e boa semana.
As vezes o final é inevitavelmente dramático...É a vida!
ResponderExcluirUm abraço!
Una historia magistralmente contada, con un final dramático y triste.
ResponderExcluirSaludos, Pedro.
A arte da narrativa bem patente neste conto.
ResponderExcluirAbraço
Deixei-me envolver pela sua excelente narrativa.
ResponderExcluirOs contos tal como a vida nem sempre têm um final feliz.
Beijinho
Fê
Olá Pedro
ResponderExcluirUm conto muito bem escrito.
Infelizmente o dinheiro muitas vezes sobrepõe-se aos valores morais, quem dera que fosse só nos contos, mas a verdade é que estas situações são recorrentes no dia a dia.
Um beijinho
Teresa
Que sujeito descarado, entra, come e mata, sem mais nem menos,
ResponderExcluirna frente da mulher. Ah! se eu pego esse Venâncio , ele vai ver...
Legal o seu conto, bem interessante, Pedro.
Beijo e Boa noite!
Oi Pedro,
ResponderExcluirAntigamente era assim em abundância, portanto já dividi tudo que tenho para me precaver e tem uma cláusula.
Agora se matarem meu filho, o assassino não chega nem a ser preso, será enterrado no mesmo dia.
Aí com razão...
Beijos no coração
Minicontista2
¡Hola Pedro!!!
ResponderExcluirNos dejas un estupendo relato, se nota que eres un gran pensador. Felicidades: lástima que no tenga un final más feliz. Mas esta muy bien narrado.
Gracias por tu buen hacer y por tu huella en mi puerto.
Te dejo un beso y toda mi estima.
Se muy muy feliz.
Um final trágico, uma excelente narrativa.
ResponderExcluirUm abraço.
Maria
O título nos possibilita uma pista da sua narrativa, num conto
ResponderExcluirmuito bem construído, numa cena final rica de detalhes
do drama...
Interessante foi evidenciar o sexto sentido da mulher:
"Um mau pressentimento faz com que aperte o filho
contra o peito."
Apreciei muito, Pedro!
Abraço.
Uma tragédia contada em três passos, como que a "crónica de uma morte anunciada" no mau pressentimento da mulher.
ResponderExcluirUma narrativa muito visual. Cinco estrelas! Você já pensou em escrever argumentos para cinema?...Tanto este conto, como o conto anterior dariam óptimas curtas metragens.
Gostei muito, Pedro.
Bom fim de semana.
xx
Respondo: caso seja convidado, é possível que escreva (aqui em Porto Alegre temos diretores de curta metragem muito conhecidos). Tenho alguns amigos escritores que escreveram roteiros para curta metragem, e como gostaram da experiência, voltaram a escrever.
ExcluirAgradeço o estímulo, Laura.
Abraços.
Pedro Luso, aprecio muito o género de literatura contista e o teu conto está conduzido de modo a prender o leitor. Gostei!
ResponderExcluirAbraço
Está narrado de un modo tan real pero, la verdad, como yo lo he sentido: es un crimen terrible. Sin otra justificación que dedicar el dinero a la crianza de sus hijos. Lo hace fríamente, por encargo, es un trabajo por el que le van a pagar. A mi en este relato me falta la segunda parte y es la trampa en la que puede caer el asesino. Queda un testigo y quien ha encargado el crimen, puede negarse a pagar y denunciarle. Pone los pelos de punta ver la frialdad del individuo. El éxito del relato realista ha sido conseguido. El mundo del crimen puede ser así aunque nos espante.
ResponderExcluirMuy bien descrito el pragmatismo criminal del sicario, Pedro.
ResponderExcluirPaso a paso, siguiendo el plan sin dejar que nada le distraiga, porque cualquier profesión precisa el diseño de un fin. En este caso, priorizar el futuro de los hijos propios antes que de los ajenos.
De otra manera, de ceder a los sentimientos, ¿cómo llevar a cabo un crimen teniendo en brazos al hijo de la víctima?
Pedro, sua narração é muito bem feita. Acompanhamos os passos até visualmente. Esse mal pressentimento costuma ser gritante, em ocorrências na natureza. A sensibilidade e a capacidade de observação se fazem presente.
ResponderExcluirHá muitos que desconhecem afinidades e afeto quando estão diante da possibilidade de ganhar algum dinheiro. Gostei muito! Abraço.
Além de comovente, rico em detalhes. Li de um só fôlego... Até parece real. Muito bom .
ResponderExcluirAbcs!
Com bela descrição uma construção perfeita sobre a ganancia.
ResponderExcluirValores destroçados sentimentos apagados com um final dramático..
Ficou comigo a lembrança de meu tio Jose Venâncio exímio amansador de cavalos a quem já dediquei um conto.
Muito bom Pedro.