Antônio Maria e Vinícius de Moraes |
por Pedro Luso de Carvalho
ANTÔNIO MARIA (Antônio Maria Araújo de Morais) nasceu em Recife a 17 de março de 1921. O escritor mantinha colunas nas quais publicava suas crônicas diárias, em jornais importantes: O Jornal, onde permaneceu por 15 anos; O Globo, em 1959 (aí ficou por pouco tempo); e Última Hora.
Convidado por Assis Chateaubriand, dono da TV Tupi, que foi inaugurada em 1951, Antônio Maria assumiu o cargo de diretor de produção da emissora. No ano seguinte mudou-se para a rádio Mayrink e daí para a TV Rio, onde, entre outras coisas, apresentou um programa com Ary Barroso durante o ano de 1957.
Na música, foi compositor, e teve como parceiros Geraldo Mendonça, Maestro Aldo Taranto, Fernando Lobo (pai de Edu Lobo). Antônio Maria também foi parceiro de Luiz Bonfá - escreveu a letra de Manhã de Carnaval, uma das músicas mais executadas no exterior, e que seria um do temas musicais do filme franco-ítalo-brasileiro, Orfeu Negro, ganhador da Palma de Ouro em Cannes e do Oscar de melhor filme estrangeiro.
Como bem salienta um artigo da revista Bravo!, na edição de “100 canções essenciais da música popular brasileira” (2008), a música Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá e Antônio Maria ganhou o mundo: “Com a projeção dada pelo filme e a aventura do violonista Luiz Bonfá nos Estados Unidos, a música se tornou um grande sucesso. Além disso, embarcou na carona da carreira internacional da bossa nova, que pouco tempo depois estouraria. Manhã de Carnaval se tornou um clássico do jazz ao ganhar uma versão em ingles chamada A Day in the Life of a Fool".
Carlos Drummond de Andrade |
No dia 15 de outubro de 1964, na cidade do Rio de Janeiro, o coração desse artista versátil, que já vinha dando mostras de cansaço, não aguentou mais. Antônio Maria morreu muito cedo, aos 43 anos. Maria, como era conhecido, fez muitos amigos: Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, Jorge Amado, Vinícius de Moraes, Carlos Heitor Cony, Aracy de Almeida, Luiz Bonfá, dentre tantos outros. Morreu o artista mas a sua obra continua bem viva, não apenas no Brasil. Sua arte foi o seu legado.
Passemos agora à crônica de Antônio Maria, intitulada Carlos Drummond de Andrade, escrita em três de julho de 1963, no Rio de Janeiro:
[ESPAÇO DA CRÔNICA]
"CARLOS DRUMOND DE ANDRADE"
(por Antônio Maria)
Eu nunca tinha visto Carlos Drummond de andrade. Eu o amava, mas nunca o tinha visto. Meus amigos, todos eles já o tinham visto e alguns eram seus amigos. Uma vez lhe telefonei pedindo licença para musicar uns versos seus; licença que ele me deu correndo, encurtando a conversa. Depois, quando estive mais doente, lendo seu livro de crônicas A bolsa ou a vida, porque suas crônicas me fizeram prazer ou, simplesmente, porque eu estava doente, mandei-lhe um bilhete contendo meu carinho, onde, é bem possível, havia, houvesse - discretamente, disfarçadamente – as minhas despedidas. Sei lá, tudo o que eu dizia naqueles tempos era adeus.
Mas domingo, de tarde, eu passava por Ipanema, quando vi Carlos Drummond de Andrade! Ia pela calçada da praia, andava, parava, andava de novo, com uma pressa enorme de não sair do lugar. Parei meu carro, apeei-me e caminhei até ele, estendendo-lhe a mão.
- Eu sou Antonio Maria e tinha uma vontade enorme de conhecê-lo... (fui por aí, feliz e humildemente).
O poeta, como todos os homens decentes, ficou muito encabulado. Mas eu entendo como é aflitivo conhecer mais uma pessoa. Ser conhecido por mais uma pessoa. A vida tem um dia em que a gente diz: “Chega, vou parar aqui. Mesmo que seja no prejuízo”. E não compra o segundo “cacife”. Ademais, a minha humildade era ameaçadora. Drummond tinha todo o direito de imaginar: Ihhh!... esse homem é capaz de se meter em minha casa. Quem sabe, um dia irá me telefonar, ihhh!...
A minha presença é, em si, desagradável. Eu seria, pela aparência, o homem que se meteria em casa de Drummond e lhe perguntaria com a mais ingênua agressividade:
- Drummond, entre Verlaine e Rimbaud?
Ou então:
- Drummond, você acha que o Vinícius de Moraes já foi mais Vinícius de Moraes?
E, quem sabe, eu perguntasse:
- E se você fosse à Lua e pudesse levar três pessoas, que pessoas você escolheria? Olha, a família não vale, Drummond!
O poeta Drummond é o homem que se porta com perfeição no primeiro encontro. Timidamente, com aquela cara de quem deseja, com toda razão, que seja o primeiro e o último. Drummond, como toda pessoa psicologicamente equilibrada, acha que todo primeiro encontro deveria ser o último.
Que maravilha haver ainda gente que se dê ao respeito! Não sei de ninguém que se dê tanto ao respeito quanto Carlos Drummond de andrade! Com a mulher, os filhos, os netos pode (e deve) ser um tarado. Mas as outras pessoas, os intrusos, os aparteadores de suas caminhadas pela praia, com esses, todo retraimento é pouco.
Quanto a mim, ganhei meu dia. A frase tem que ser esta, desculpe. Ganhei meu dia!. Tome um abraço.
3/7/1963
REFERÊNCIAS:
MORAIS, Antonio Maria Araújo de. Crônicas de Antonio Maria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 62-64.
BRAVO!, Especial. 100 canções essenciais da música popular brasileira. São Paulo: 2008, p.88.
* * * * * *
Adoro Drummond de Andrade. Fiquei a conhecer um pouco mais de António Maria. Muito bom ler sobre estes nomes sonantes.
ResponderExcluirum abraço
oa.s
Pedro,
ResponderExcluirAdoro o Antônio Maria, tenho dois livros de crônicas dele. Junto com Rubem Braga, é um dos que me influencia em meus textos-crônicas.
E, por conhecer seu estilo, me ocorre que esta crônica (que eu não conhecia) pode ser, na base do humor e da ironia fina e perspicaz, um tapa com luva de lã, em alguém que o tratou com "certo" desdém, pouco caso... Só impressão. Posso estar enganado. Nem sei se de fato foram amigos, mas que parece isso, parece! Golpe de mestre das palavras!
abço
Cesar
Cesar,
ResponderExcluirPara mim, Antônio Maria não teve a intenção de ironizar Drummond, de quem na verdade era admirador. Ele sabia que Drummond era uma pessoa muito tímida, de pouca conversa e também modesto. Maria, ao contrário, era extrovertido e fazia amigos com muita facilidade; e o fato de ter sido locutor esportivo diz bem da facilidade que tinha em comunicar-se. Também sensível, Maria sabia que a comunicação com pessoas estranhas exigia grande esforço de Drummond – e eles não eram amigos. Daí Maria ter dito nessa passagem de sua crônica:
“O poeta, como todos os homens decentes, ficou muito encabulado. Mas eu entendo como é aflitivo conhecer mais uma pessoa”.
A propósito do tipo de vida que Drummond levava, transcrevo este trecho do livro “Carlos Drummond de Andrade”, Coletânea organizada por Sônia Brayner, sob a Direção de Afrânio Coutinho, editado pela Civilização Brasileira/Mec, 1977, p. 61 (trecho):
“O poeta é caseiro, detesta viagens (abriu exceção apenas para visitar a filha na Argentina), não faz vida social. Explica tal retraimento com a observação de que não sendo conversador, sua presença aborreceria os outros, o que prefere evitar”.
O que eu acho, Cesar, é que Drummond ficou mesmo encabulado com a abordagem que lhe fez Antônio Maria; encabulado, de um lado, e de outro, lisonjeado (acredito) com o gesto de Maria, que era um cronista respeitado e compositor de muito talento - tanto que, quando Luiz Bonfá procurou Rubem Braga e pediu-lhe que escrevesse a letra para a sua música Chega de Saudade, este (Rubem Braga) achou melhor indicar Antônio Maria. E aí nasceu a parceria Bonfá/Maria.
Pela importância desse encontro, o propósito de Maria era o de prestar uma homenagem a Drummond com essa sua crônica.
Grande abraço,
Pedro.
Olá Pedro,
ResponderExcluirGostei muito de conhecer um pouco mais de Antônio Maria. De Drummond
sou admiradora. Apreciei a oportunidade de ler a crônica de Antônio Maria.
Abraço.
Obrigado, Vera Lúcia, pela visita.
ExcluirComo você pode ver por essa crônica, Antonio Maria é um dos grande cronistas que temos. Seus amigos eram, para citar apenas dois: Drummond e Vinicius de Morais.
Abraços,
Pedro.
Amei seu blog. Aqui, não se perde nada. Não li tudo, mas só as duas primeiras postagens já me encantaram. Aprendi um pouco sobre Antonio Maria e revi a excelente colocação de Borges.
ResponderExcluirAbraços
Obrigado, Marilene.
ExcluirEspero que você volte mais vezes.
Abraços,
Pedro.
Interesante blog. Felicitaciones.
ResponderExcluirSaludos desde España.
Ramón
Obrigado, Ramón, por sua visita.
ExcluirUm abraço,
Pedro.
Bom dia!!!
ResponderExcluirFico muito feliz quando visito um blog e saio de lá melhor do que entrei, melhor no sentido de ter um pouquinho mais de conhecimento.
Drummond de Andrade dispensa comentários.
Acabei de ganhar de presente uma coletânea de cinco livros dele.
Fiquei super feliz.
Antonio Maria eu conheci hoje. Fui apresentada a ele por vc.
Parabéns pela cronica postada!
Um beijo..
MA Ferreira
Ma:
ExcluirTenho certeza que você vai gostar das crônica de Antonio Maria, pois são excelentes.
Abraços,
Pedro.
Juntar um cronista imenso com o poeta maior, é receita que agrada a todos.
ResponderExcluirVi Drummond, uma única vez,no elevador do lindo prédio do MEC,no Rio de Janeiro. Fiquei a fitá-lo, a "viagem" toda, sem piscar, tal a emoção.
Agora,vez por outra,fico a olhar uma foto minha, junto à sua estátua, no calçadão da Av. Atlântica. Maria e Drummond, duas figuras ímpares,que deixaram saudades...ainda bem que são imortais!
Extraordinária postagem, Luso
Um abraço
Lúcia,
ExcluirÉ sempre uma grande alegria receber sua visita.
Fiquei imaginando o seu encontro com Drummond, e sua emoção.
Gostar de Drummond e de Antonio Maria é uma prova de bom gosto.
Abraços,
Pedro.
Καλησπεραααα απο ηλιολουστη Ελλαδα...heloo from sunny Greece and ΣτάΛες στο ΓαΛάΖιο blog team!!!
ResponderExcluirAlmas fortes. Dois ícones para quem preza o esmero com a palavra.
ResponderExcluirObrigada, Luso, por nos dar este presente: bela postagem!
Sem dúvida, Fênix, dois ícones, que nos deixaram excelentes obras de arte.
ExcluirUm abraço,
Pedro.
Adorei seu espaço. Suntuoso.
ResponderExcluirJá estou seguindo.
Abraços,
Michele
http://blog-amantesdodireito.blogspot.com/
http://michelesantti.blogspot.com/
Volte sempre, Michele.
ExcluirObrigado pela visita.
Abraços,
Pedro.
Meu caro Pedro! Como vai? Só agora, depois de quase 2 anos, é que volto aqui e vejo que vc me respondeu àquela indagação! Viu como são as coisas? A gente às vezes acha que jogou esforço fora, mas ali na frente alguém aproveita. Curioso é que esta vez fui eu mesmo.
ResponderExcluirAproveitando, me diga: vc já leu O Diário de Antônio Maria? Se não, por favor, leia. É sensacionalmente confessional e despojado de vaidades.
Abço!
Cesar
Cesar,
ExcluirQuem é vivo sempre aparece.
Nas minhas andanças por livrarias e sebos nunca me deparei com o Diário de Maria, mas espero encontrá-lo.
Grande abraço,
Pedro.
pedro, poderia me falar um pouco sobre a cronica "o pior encontro casual" de antonio maria, obrigado
ResponderExcluirSobre a crônica “O pior encontro casual”, de Antônio Maria, você pode encontrá-la no “releituras”: http://www.releituras.com/antoniomaria_pior.asp
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