O CHÁ DAS VELHAS SENHORAS
– PEDRO LUSO DE CARVALHO
Às quartas-feiras, as três senhoras visitavam a amiga comum no seu
antigo apartamento, no centro da cidade. O porteiro, que estava acostumado a
recebê-las na portaria do prédio, sempre às quatro horas da tarde, não raro
acertava o seu relógio quando elas chegavam.
A anfitriã – das quatro amigas, a mais velha – esperava-as com a mesa
posta: pratos e xícaras de fina porcelana, facas e garfos de prata de boa qualidade,
um bule trazido de uma de suas viagens a Veneza. No hall do apartamento, entre
risos, trocavam abraços e, depois, já acomodadas na sala de visitas, aguardavam
o momento em que seriam chamadas para o chá – às quatro e dez, como era o
costume.
Sentadas à mesa, antes de servirem-se faziam algumas brincadeiras com a
amiga mais nova, que a chamavam de caçula, porque ainda não tinha chegado aos setenta
anos. Servia-se, cada uma delas, de chá, doces e salgados. Como a empregada
retirava-se depois de deixar o chá sobre a mesa, as velhas senhoras serviam-se
com a mobilidade que lhes permitia a idade.
Quando terminavam o chá, satisfeitas e um tanto acaloradas, voltavam aos
velhos e elegantes sofás da sala. Aí, tagarelavam sobre uma variedade de
assuntos, quase todos ligados ao passado. Faziam ácidas críticas aos antigos
namorados e às suas rivais. Falavam sobre os bailes inesquecíveis do Clube do
Comércio, de seus casamentos, das viagens que fizeram a Buenos Aires e à
Europa, e do muito que compraram nessas andanças.
Quando não tinham mais o que dizer sobre as boas e más lembranças,
passavam a falar do dia-a-dia de cada uma delas: doenças, médicos, enfermeiras,
hospitais, remédios. Esses eram, na verdade, os assuntos preferidos das velhas
senhoras. Esses assuntos nem sempre eram concluídos, pelo adiantado da hora.
Na reunião da semana, das três amigas, apareceram apenas duas delas. A
anfitriã nada falou sobre essa ausência. As amigas cumpriram o ritual de muitos
anos, depois deixaram a mesa e reiniciaram a conversa na sala de espera. Uma
das amigas disse à anfitriã: “A nossa caçula teve um mal súbito, e nos deixou!”.
As duas amigas ficaram esperando uma reação de pesar da anfitriã, mas ouviram
apenas ela dizer: “é, minhas amigas, era a sua vez!”
Os encontros, às quartas-feiras, foram mantidos como se nada tivesse
ocorrido. Numa dessas tardes, apenas uma das amigas compareceu ao chá. A anfitriã
não fez nenhuma referência à ausência da outra amiga. A anfitriã e a amiga
sentaram-se na sala de espera, como sempre faziam. Depois, tomaram chá, comeram
doces e salgados, como era o hábito.
De volta a sala de visitas, a anfitriã perguntou à amiga: “Alguma
novidade?” A amiga abaixou a cabeça, tomada de desconforto, e disse: “Nossa
querida amiga sofreu um enfarte, e não resistiu”. A anfitriã fez-se de
desentendida e mudou de assunto. Depois, no horário de costume, despediram-se.
Em outra quarta-feira, a velha senhora colocou os óculos para ver se o
relógio de parede havia parado. Estava funcionando. Já eram quatro horas e
quinze minutos. A mesa estava posta, e a amiga ainda não havia chegado. “Nunca
houve um único atraso”, pensou. Sentada à mesa, serviu-se de chá, de doces e
salgados, como se estivesse acompanhada. Depois, sentou-se na confortável
poltrona, na sala de visitas.
A empregada apareceu diante da velha senhora, depois que desligou o telefone, e, com ar de tristeza, disse-lhe:
“A amiga da senhora baixou hospital... a coitadinha não resistiu ao enfisema...” A velha senhora anfitriã levantou-se da
poltrona e dirigiu-se à janela, e aí permaneceu por algum tempo; depois, quase
num sussurro, disse para si mesma: “Antes ela do que eu!”
*
* *
Noto que quando as pessoas vão envelhecendo, vão perdendo a capacidade de doarem-se, de cuidar dos outros, o que é muito natural e compreensível. Penso que chegou a hora da retribuição. Sentem-se fracas, carentes... e o instinto de preservação fala mais alto do que qualquer amizade. Não deixa de ser reconfortante para elas perceberem e sentir que ficarão mais um tempinho por aqui. Estão erradas? Não, acho que é muito natural. Por isso o tal 'antes ela do que eu', citação popular muito conhecida que se não passa de boca em boca, passa de pensamento para pensamento. E essas frases, esses pensamentos que vem do povo, exalam nada mais do que verdades. Não condeno, não. Vi que a última estava faceira da vida... rsr
ResponderExcluirBeijinho, Pedro!
É a vida. E cada minuto deve ser vivido. A velha senhora está certa, embora tenha ficado mais só! Adorei a crônica, Pedro!
ResponderExcluirPedro:
ResponderExcluirHe leído tu relato en su idioma original y no deseo utilizar traductores que no sirven; por ello, comento en castellano.
Tu cuento refleja a la perfección la antesala de la muerte. Yo he hecho hemodiálisis durante nueve años y cuando faltaba un paciente, nadie quería preguntar. Si la ausencia fuese porque estuviese internnado, o cambiado de turno, ya nadie hablaba más del tema. Si, en cambio, se sabía que nunca más lo veríamos, era igual.
En el fondo de nuestro corazón, nos decíamos: a mí no me tocará...
Un gran abrazo.
muito bom.
ResponderExcluirUn fuerte acercamiento a una cruda realidad...
ResponderExcluirMuy bueno!!
Me quedo a seguirle, gracias
Muito bem. Nada mais natural e o que não tiver telhados de vidro que atire a primeira pedra.
ResponderExcluirQuando se é novo não há stress e a vida decorre sem preocupações de maior, porém, quando a idade, chamam-lhe terceira, a competição é grande.
Um conto que eu conto. Contarei aos amigos.
Abraço
Olá Pedro,
ResponderExcluirInteressante a atitude do porteiro de ajustar seu relógio à chegada das velhas senhoras. Pontualidade britânica-rs.
Nesta fase da vida é comum a perda sucessiva dos amigos e a cada notícia da morte de um mais se enxerga a possibilidade de ser o próximo. Então, nada mais natural este "antes ela do que eu"-rs.
Conto muito criativo, Pedro.
Gostei da tela.
Abraço.
Ótima semana!!!! beijos
ResponderExcluirMuy bueno su retrato del grupo, con esa pincelada de estilo en sus movimientos por la casa, la atmósfera, y los comentarios sobre el tema de sus conversaciones.
ResponderExcluirLa vieja dama era una filósofa. Ciertamente, mejor dar gracias por sobrevivir a sus amigas que entrar en la melancolía, algo que a veces no es fácil.
Desde el Mediterráneo
Es propio de la vejez que la gente se vuelva existencialista. Un relato que me ha gustado mucho.
ResponderExcluirUn abrazo Pedro
Antes ela do que eu! Disse para si mesma a velha senhora. De igual modo pensariam também as amigas dela. Se tivesse acontecido ao contrário!
ResponderExcluirObrigado pela visita, boa noite , um abraço.
Pois e tinha razão, a velha senhora...
ResponderExcluirUm abraço!
Muito bom Pedro, não pude resistir a uma gargalhada no final.
ResponderExcluirEu tinha uma tia que suava esta expressão de uma maneira fria que nos assustava e creio que ela estava certa. Com um tempo vamos colhendo perdas e mais perdas,a té que nos percamos no túnel escuro.
Um abração amigo Pedro.
Uma semana produtiva.
Pedro, muito boa tua crônica e me fez lembrar de meu sogro que assim se manifestava ao ver nos postes da cidade do interior , onde colocavam os avisos e convites fúnebres> Chegava em casa e dizia:_Sabem quem vi "pendurado" no poste?
ResponderExcluir_ após dizer o nome, repetia a frase dessa velha senhora,rs...
abraços, tudo de bom,chica
Oi Pedro!
ResponderExcluirAdoro histórias! Estava a ver as personagens tomando chá e jogando conversa fora! Simplesmente vendo a vida passar! E passa!
Gostei muito!
Bom dia Pedro.
ResponderExcluirUma bela cronica, fui lendo e jamais deduziria o final, não pude conter uma gargalhada. Uma mulher que deve ter tido ao longo da vida, inúmeras perdas e foi ficando um pouco fria, a ao saber que está chegando o seu próprios fim inevitável diz “Antes ela do que eu!” KKK. Um lindo dia meu amigo. Enorme abraço.
Um conto muito interessante que, por muito que nos doa, retrata uma certa realidade.
ResponderExcluirHá pessoas que, com o avançar da idade, criam uma espécie de capa protectora, que as imuniza contra a dor da perda.
Essa reacção do "antes ela que eu" demonstra uma certa frieza de sentimentos que, felizmente, não atinge todas as pessoas - o que tornaria o mundo ainda mais egoísta.
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Amigo Pedro, ótima sua crônica, acho que a velha senhora tinha muito apego a vida, mas como ela mesma falou quando chega a hora marcada é inevitável, enquanto ela não chega, ficou na torcida pela demora...
ResponderExcluirPedro grata de coração por seus votos de recuperação da saúde de meu marido, felizmente já fora de perigo de morte e em casa.
Grande e afetuoso Abraço,
Léah
Ufffff, difícil ser siempre sobreviviente también amigo. Me ha gustado mucho el desarrollo de la historia y ese final un tanto sarcástico y casi natural que tienen algunos ancianos para ver la realidad. Gracias por tu visita, un abrazo desd Urugusay.
ResponderExcluir"Antes ela do que eu!"...Livra!...Uma anfitriã com fleuma britânica, e
ResponderExcluirmuito pouco condoída com o destino de suas amigas. Será que o inato
instinto de sobrevivência pode mesmo apagar o sentimento de compaixão?
Talvez. Uma mulher que sabe que a sua hora não tardará, mas até lá que
se vão todas as amigas antes!
Uma pessoa com enorme gosto pela vida, então...:-)
Belos os teus contos, sempre com desenvolvimentos surpreendentes.
xx
Pedro, tenho enorme prazer de ler seus contos. Confesso que ri quando chegou ao fim, pois não imaginava a frieza da única sobrevivente. Suas reações, diante da morte das outras, deixaram uma sensação de fuga da realidade. Mas ficou soberba a conclusão que deu à história. Parabéns!!!
ResponderExcluirMe sonrío y, al mismo tiempo, me pregunto ¿Puede existir una mujer tan fría que no tenga ningún sentimiento hacia las que fueron siempre sus amigas?
ResponderExcluirSi a mí me hubiesen anunciado la muerte de una amiga, del disgusto que me llevo, se me hubieran borrado las ganas de tomar el té.
Cariños y buen fin de semana.
Kasioles
Jaja!!! Claro que si... Primeiro elas que eu!!! Que poco sentimiento de cariño y de la ausencia de sus amigas; y al fin y al cabo, todos cogemos ese camino, unos antes y otros después, aquí no queda nadie.
ResponderExcluirUn relato precioso, Pedro. Y es que además entiendo perfectamente como escribes en tu idioma.
Ha sido un inmenso placer pasar a leerte.
Te dejo mi abrazo, mi gratitud y mi estima siempre.
Feliz fin de semana.
Pedro
ResponderExcluirGostei do conto, por estar bem contado. Na verdade sempre, em vez de se refletir na vida que sempre acaba. Todo o mundo fica a pensar que morrer apenas acontece aos outros.
O meu novo blog é LUARES E MARÉS de post’s autobiográficos. Visite-o agora, com A MAGIA DOS BRINQUEDOS.
http://poesiahomemso.blogspot.pt/
Abraços
uma crónica que me deixou a pensar.
ResponderExcluire fiquei surpreendida com o final.
um bom fim-de-semana.
Beijo
:)
O instinto de sobrevivência é muito forte em determinadas pessoas.
ResponderExcluirO que fiquei a saber quando li "O Cerco de Leninegrado" de Michael Jones é chocante nesse aspecto.
Bom fim de semana e abraço.
Mas que conto hem! sorri ao ler as tuas palavras...
ResponderExcluirBjo e um bom fim de semana
Olá Pedro, vim atrás de amigos e acabei por ler o seu conto. Tenho que lhe dizer que me fez rir com o final, que não esperava. Um abraço com carinho
ResponderExcluirInteresante texto Pedro.
ResponderExcluirLas reacciones impredecibles.
Un desenlace a tono con la trama.
Feliz semana, un abrazo.
Um belo texto meu amigo e gostei daquele humor egoísta da anfitriã.
ResponderExcluirUm abraço e boa semana.