Mo Yan homenageia mãe
analfabeta e confessa que mal aguentou polêmica com Nobel
“Graças à televisão e à Internet, pode ser que vocês tenham conhecido a
minha terra natal, no distrito de Dongbei de Gaomi, que fica muito longe
daqui”, foi assim que o escritor chinês Mo Yan, o prêmio Nobel da Literatura
2011, começou a palestra que fez na tarde desta sexta-feira na Academia Sueca,
em Estocolmo, intitulada Os que contam as histórias.
“Pode até acontecer que tenham visto o meu pai, um senhor de 90 anos, ou
os meus irmãos, a minha mulher, a minha filha e a minha neta de 14 meses. Mas
há alguém para quem, neste instante, vão todos os meus pensamentos: é a minha
mãe, que vocês nunca verão. Muitas pessoas partilharam comigo a honra deste
prémio, mas, para a minha mãe, isso é uma coisa impossível”.
A mãe de Mo Yan, o primeiro escritor chinês a receber o Nobel da
Literatura, autor de Mudanças (ed. Divina Comédia) e de Peito Grande, Ancas
Largas (ed. Babel), morreu em 1994 e era analfabeta. Foi a ela que o Nobel da
Literatura, de 57 anos, dedicou o discurso de agradecimento pelo prémio que lhe
foi atribuído em Outubro. Um discurso que, tal como tinha dito na conferência
de imprensa de quinta-feira, foi dedicado a contar a sua própria história e
intercalado com as suas memórias.
Falou da sua primeira recordação (quando pequeno, frágil por causa da
fome partiu o único termo que existia em sua casa e a mãe, em vez de o
castigar, fez-lhe uma festa na cabeça e suspirou longamente); da sua recordação
mais amarga (quando viu a expressão de desespero da mãe ao ser esbofeteada por
um homem); da recordação que nunca mais apagou da memória (a discussão com um
velho mendigo numa festa de Outono) e do que lamenta mais na sua vida (ter
feito a mãe sentir vergonha dele por causa de ter cobrado mais dinheiro do que
devia a um velho homem a quem vendiam couves no mercado). Contou também do medo
que teve que a mãe se matasse quando ficou tuberculosa e a família estava numa
situação difícil, "sem nenhuma luz, nem nenhuma esperança no
horizonte".
Mo Yan afirmou que se a sua infância foi "cruelmente marcada pelo
abandono da escolaridade, pela fome, pela solidão e pela ausência de
livros", tal como aconteceu com o escritor chinês de uma geração anterior
à sua, Shen Congwen, cedo começou "a ler o grande livro da vida". E
quando abandonou a escola e se viu no meio do mundo dos adultos iniciou um
"longo percurso de 'leitura auditiva', de aprender ouvindo".
O escritor chinês referiu como foi inspirado pelo escritor
norte-americano William Faulkner e pelo escritor colombiano Gabriel García
Márquez. "A minha experiência diz-me que a razão fundamental que faz com
que um escritor seja influenciado por um outro escritor é que existe no fundo
da alma dos dois protagonistas neste tipo de relação qualquer coisa de
parecido. E é precisamente isso o que significa a expressão: 'estar em comunhão
de ideias'".
No final do seu discurso, explicou o que quis fazer com o romance Peito
Grande, Ancas Largas, que escreveu depois da morte da mãe, e explicou
também qual o seu processo de criação. Disse que é um "homem que conta
histórias" e por essa razão recebeu o prémio Nobel da Literatura. “A
atribuição do prémio Nobel da Literatura criou alguma polémica. No princípio,
pensei que as coisas me diziam respeito pessoalmente, mas, pouco a pouco, fui
tendo o sentimento de que eu não era a pessoa visada. Senti-me um espectador de
uma peça de teatro de que eu próprio fazia parte. Via que ao protagonista,
vencedor de um prêmio, ofereciam flores, mas, ao mesmo tempo, atiravam pedras e
água suja. Temi que não conseguisse aguentá-lo. Apesar disso, sujo de flores e
pedras, [o protagonista] limpou as manchas de água suja, saiu tranquilamente
sorrindo e declarou: 'Para um escritor, a melhor forma de falar é a escrita.
Tudo o que eu tenho a dizer, já o disse
nas minhas obras'.”
(Isabel Coutinho –
Publico – Cultura)
* * *
É uma linda história.
ResponderExcluirBeijos!!
Pedro, parabéns pela postagem e pelo bom gosto!
ResponderExcluirBeijos,
Martha
Que beleza de história. Sim, as pessoas mais simples podem nos ensinar muitas coisas.
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