por Pedro Luso de Carvalho
Antes de alinharmos alguns traços sobre o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, cabe-nos dizer que o título completo de seu conto é “O PRIMEIRO NATAL DO CONTINENTE DE SÃO PEDRO ou 1752" (In Amigos Secretos, Porto Alegre: Artes de Ofícios, 1994, fl. 41-43).
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL nasceu em Porto Alegre, em 1945. Formou-se em Dirieto em 1970. Atuou como violoncelista na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Substituiu a música e a advocacia pela literatura e pelo magistério superior. Doutor em Letras, atualmente é professor na PUC-RS onde coordena uma oficina de criação leterária que já publicou diversas antologias de conto. Foi diretor do Centro Municilpal de Cultura de Porto Alegre, diretor do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul, sub-secretário de cultura do estado e presidente da Associação Gaúcha de Escritores no biênio 88/90. Assis Brasil assumiu a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) do Rio Grande do Sul, no dia 3 de janeiro de 2011.
Assis Brasil foi distinguido com muitos prêmios literários, dentre eles, os que seguem: Prêmio Literário Nacional, do Instituto Nacional do Livro, Prêmio Erico Verissimo, Prêmio Literário Machado de Assis, Prêmio Jabuti.
As obras de Assis Brasil adaptadas para o cinema foram: Concerto campestre, que levou o mesmo título; Videiras de cristal, levado para a tela com o título de "A paixão de Jacobina"; Um quarto de légua em quadro, que ganhou outro título, qual seja, "Diário de um novo mundo"; já o seu livro Manhã transfigurada, foi adaptada sem ter seu título alterado.
Alguns títulos da obra de Assis Brasil: Um quarto de légua em quadro (1976, Prêmio Ilha de Laytano), A prole do corvo, Bacia das almas, Manhã transfigurada, As virtudes da casa, O homem amoroso, Cães da província (1987, Prêmio Literário Nacional, do Instituto Nacional do Livro), Videiras de cristal, Um castelo no pampa (trilogia, que inclui os livros Perversas famílias, Pedra da memória e Os senhores do século).
No exterior, Luiz Antonio de Assis Brasil teve publicados os seus livros: O pintor de retratos (Portugal) O homem amoroso (França), Concerto campestre (Espanha).
[ESPAÇO DO CONTO]
O PRIMEIRO NATAL DO CONTINENTE DE SÃO PEDRO ou 1752
(Luiz Antonio de Assis Brasil)
- PEÇO PERDÃO por te acordar, Joana. É que estou aflito, preciso conversar com alguém. Pelo que sei, é noite de Natal. Nem parece, Joana. Hoje nos levantamos como se fosse um dia comum, e nem te lembraste de fazer massa sovada, nem licor de café. Muito longe daqui, em Viamão, devem estar rezando missa e nós aqui neste fim de mundo, sem lapinha, sem devoção. Estamos ficando igual a esses gaúchos sem alma, igual a esses índios que a gente vê revirando o campo, tudo descrente e bandido, tudo mal-encarado. Há pouco, quando tu dormias o Antoninho também dormia, fui para frente da casa e fiquei olhando para o céu. E vi uma estrela grande quase em cima de minha cabeça, brilhando, brilhando. E fiz um desejo, de que o Antoninho cresça bem e forte, e que nunca seja igual a esses gaúchos, e que guarde a devoção como a gente igualmente guardava em nossa Ilha nos Açores. E que a mulher dele possa um dia sovar massa e botar a tigela de trigo ao lado da lapinha de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ah, Joana, que saudades da Ilha. O campo afora me deixa triste, porque nunca vi tanta terra, mais do que as pessoas precisam para seu sustento próprio. E fiquei pensando: olha eu aqui, com esse mundo de terra, não era o que a gente queria, quando se estava lá? Era, pois. E mesmo assim, um sentimento me aperta o coração, porque ficou lá atrás, num lugar que a gente sabe que nunca mais vai voltar, porque é tão longe que as festas, os rojões, o baile e a procissão, tudo ficou perdido. E o Natal, no que virou o Natal? É um dia que, se eu não me lembrasse, ia até pegar na enxada. Mas hoje não peguei na enxada. Vou fazer de conta que é mesmo Natal, e que amanhã, em vez do pedaço de carne salgada, essa coisa nojenta, a gente vai comer leitão assado no forno e que, em vez de água de poço, a gente vai beber vinho de cheiro. E que a nossa casa vai-se encher dos vizinhos e dos amigos e dos compadres, e que o senhor vigário vem dar uma chegada para provar nossa sopa de couves e nossos figos passados, e as nozes. E que vai ter dança no quintal. Tudo como na Ilha, Joana. Vou tentar esquecer do longo mar tenebroso que atravessamos, e toda a fome que temos passado, e a falta dos animais que nos prometeram, dos arados que disseram que iriam nos dar, das injustiças, da falta de vizinhos. Aqui somos ricos, Joana. Toda essa terra é nossa. Na Ilha a gente seria fidalgo, daqueles com solar e vinhedos, e que passam arrogantes por nós, e que a gente tinha de dobrar o joelho e tirar o chapéu. Aqui somos ricos, mas toda essa terra não pode dar um Natal que seja. Posso ir para o meio do campo e abrir os pulmões, gritando sou rico, sou rico!, mas e a alma? E o Natal? O Menino Deus não nasceu no meio do campo, mas num estábulo, num lugar bem pequeno, mas que era quente como os bafos dos bois e das mulas. Sabe, Joana, Ele nasceu num lugar que bem podia ser nossa casa na Ilha. Ele nunca iria nascer aqui. Deus não conhece essa parte do mundo. Engraçado, eu te falando essas coisas todas de saudade, como se eu tivesse mesmo triste. Hoje é dia de Natal, e o Menino Jesus nasceu nesta madrugada lá em Belém. Eu não deveria estar me quixando tanto da vida. Mas é que dói aqui dentro da alma, passar esta noite sem que nada me lembre, sem festa, sem fogos, sem pão de milho. Não estou triste, não, Joana. Só que não trabalhei, hoje. Eu respeito o dia do Senhor. Se esses malditos pagãos não conhecem o Salvador, eu vou orar por eles, pode ser que Deus um dia faça com que eles vejam a Luz verdadeira que vem do céu.
Faz o sinal-da-cruz, para rezar.
Sua mulher, porém, fica inquieta, levanta-se, vai até o outro quarto e o chama, depressa! Ele corre e vê, ao lado do berço do Antoninho, um anjo, todo branco, que sorri para eles e põe o dedo sobre os lábios, pedindo silêncio. Um boi mete a cara pela janela e também parece que sorri, olhando o Menino, que dorme.
Um brilho mais forte que o dia ilumina o berço, fazendo-o resplandecer em luz.
Joana cai de joelhos e seu marido a abraça, chorando.
Foi o primeiro Natal no Continente de São Pedro, terras do Brasil.
* * * * * *
QUE CONTO MARAVILHOSO...DEU SAUDADES DO MEU PAI...MUITO PRAZER EM CONHECÊ-LO...BJ!
ResponderExcluirOi, Pedro.
ResponderExcluirOi Pedro este conto me fez refletir muito. Me trouxe um passado tão distante e agora tão perto. Mas sempre guardando a devoção.
Parabéns por suas escolhas.Muito bonito o conto.
Lourdinha Vilela.
Vim te agradecer pela visita e por me seguir, e principalmente pela maravilhosa leitura dessa conto, que me lembrou tudo que aprendi em criança e que tenho fortemente em meu coração, a devoção e um grande respeito à Deus.
ResponderExcluirObrigada!
Mariangela