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27 de dez. de 2010

[Conto] MOACYR SCLIAR / Os Turistas Secretos

Moacyr Scliar
       

              por  Pedro Luso de Carvalho


        De Moacyr Scliar, escritor gaúcho, membro da Academia Brasileira de Letras, publicamos, em postagem anterior, aqui no Veredas, o conto Milton e o concorrente. Este, como outro conto que agora publicaremos, qual seja, OS TURISTAS SECRETOS, compõem o seu livro O anão no televisor, publicado em Porto Alegre pela Editora Globo, em 1979, p. 41-43.
       
        Alguns dados sobre o escritor: nasceu em Porto Alegre, em 1937. Descendente de imigrantes judeus russos, o judaísmo e a experiência da imigração serviram para influenciar sua temática. Sua obra é composta de mais de três dezenas de romances: O Centauro no Jardim, O Ciclo das Águas, A Estranha Nação de Rafael Mendes, O Exército de um Homem Só, Sonhos Tropicais, entre outros. Escreveu também: contos (com estes, iniciou sua trajetória na ficção), ensaios e crônicas (tem uma página inteira no jornal Zero Hora, aos domingos, para suas crônicas).


        Prêmios, Moacyr Scliar recebeu muitos, dentre os quais destacamos: Prêmio Guimarães Rosa, Prêmio Brasília, Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, Prêmio Casa de Las Américas, Prêmio Pen Clube do Brasil.


        Passemos, pois, ao conto de Moacyr Scliar:


                                                                               
                                           OS TURISTAS SECRETOS
                                                                   
                                                                                                Moacyr Scliar 


        Havia um casal que tinha uma inveja terrível dos amigos turistas – especialmente dos que faziam turismo no exterior. Ele, pequeno funcionário de uma grande firma, ela, professora primária, jamais tinham conseguido juntar o suficiente para viajar. Quando dava para as prestações das passagens não chegava para os dólares, e vice-versa; e assim, ano após ano, acabavam ficado em casa. Economizavam, compravam menos roupa, andavam só de ônibus, comiam menos – mas não conseguiam viajar para o exterior. Às vezes passavam uns dias na praia. E era tudo.


        Contudo, tamanha era a vontade que tinham de contar para os amigos sobre as maravilhas da Europa, que acabaram bolando um plano. Todos os anos, no fim de janeiro, telefonavam aos amigos: estavam se despedindo, viajavam para o Velho Mundo. De fato, alguns dias depois começavam a chegar postais de cidades européias, Roma, Veneza, Florença; e ao fim de um mês eles estavam de volta, convidando os amigos para verem os 'slides' da viagem. E as coisas interessantes que contavam! Até dividiam os assuntos: a ele cabia comentar os hotéis, os serviços aéreos, a cotação das moedas, e também o lado pitoresco das viagens; a ela tocava o lado erudito: comentários sobre os museus e locais históricos, peças teatrais que tinham visto. O filho, de dez anos, não contava nada, mas confirmava tudo; e suspirava quando os pais diziam:


        - Como fomos felizes em Florença!


        O que os amigos não conseguiam descobrir é de onde saíra o dinheiro para a viagem; um, mais indiscreto, chegou a perguntar. Os dois sorriram, misteriosos, falaram numa herança e desconversaram.


        Depois é que ficou se sabendo.


        Não viajavam coisa nenhuma. Nem saíam da cidade. Ficavam trancados em casa durante todo o mês de férias. Ela ficava estudando os folhetos das companhias de turismo, sobre – por exemplo – a cidade de Florença: a história de Florença, os museus de Florença, os monumentos de Florença. Ele, num pequeno laboratório fotográfico, montava 'slides' em que as imagens deles estavam superpostas a imagens de florença. Escrevia os cartões-postais, colava neles selos usados com carimbos falsificados. Quanto ao menino, decorava as histórias contadas pelos pais para confirmá-las se necessário.


        Só saíam de casa tarde da noite. O menino, para fazer um pouco de exercício; ela, para fazer compras num supermercado distante; e ele, para depositar nas caixas de correspondência dos amigos os postais.


        Poderia ter durado muito e muitos anos, esta história. Foi ela quem estragou tudo. Lá pelas tantas, cansou de ter um marido pobre, que só lhe proporcionava excursões fingidas. Apaixonou-se por um piloto, que lhe prometeu muitas viagens, para os lugares mais exóticos. E acabou pedindo o divórcio.


        Beijaram-se pela última vez ao sair do escritório do advogado.


        - A verdade – disse ele – é que me diverti muito com a história toda.


        - Eu também me diverti muito – ela disse.


        - Fomos muito felizes em Florença – suspirou ele.


        - É verdade – ela disse, com lágrimas nos olhos. E prometeu-se que nunca mais iria a Florença.





                                                                 *  *  *
        
Consulte a Wikipedia sobre a obra de Moacyr Scliara conhecer melhor os títulos da obra do escritor a                                   *  *  *  *  *  *



2 comentários:

  1. Muito bom, Pedro! Scliar é mestre nesse tipo de história comicamente cosmopolita.

    E como tem gente que faz da vida uma farsa por aí!

    Alguém precisa escrever um conto sobre aquele pobre-diabo que mora lá no cafundó, no fundo da casa da sogra, de favor, mas que insiste em comprar um carrão, bem grande, em 84 parcelas que sua sangue para pagar todo o santo mês, tudo pelo prazer de mostrar aos amigos que "chegou lá".

    Onde ele coloca o carro? Na pequena vaguinha da casa, sendo que o rabo do carrão fica de fora, encaixado na barriga que ele mandou fazer no portão. Serviço de serralheria pago pela sogra, é claro.

    Abraço!
    Cesar

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  2. Pedro, um Feliz 2011 para você. Muito amor, muita paz, muita alegria.

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muito obrigado pela sua leitura e comentário.
Meu abraço a todos os amigos.

Pedro Luso de Carvalho