[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
MARGUERITE YOURCENAR (Marguerite
Cleenewerck de Crayencour) nasceu em 8 de junho de 1903, em Bruxelas, e cresceu
na França. Depois residiu na Itália, Suiça, Grécia e, por fim, nos Estados
Unidos, em Mount Desert Island, no Maine, por cerca de 50 anos, onde se isolou
com sua amiga Grace Frick , e onde faleceu, em 17 de dezembro de 1987.
A escritora concedeu uma
entrevista a Patrick de Rosbo na
rádio France- Culture em janeiro de 1971. Rosbo inicia a sua entrevista com Marguerite Yourcenar (in
Entrevistas com Marguerite Yourcenar/Patrick Rosbo, tradução de Raquel
Ramalhete – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p.15-16):
DA FORMA NA CRIAÇÃO
(Marguerite Yourcenar)
ROSBO - Pergunta nº1 – Como se coloca para a senhora o problema da forma
na criação de sua obra?
MARGUERITE YOURCENAR - Resposta nº 1 – O problema da forma desempenha um
papel particular no pensamento crítico na França e, na minha opinião, damos-lhe
muitas vezes um lugar importante demais. O respeito de nossos compatriotas pela
literatura é tal que, quando se diz que um livro foi bem escrito, tudo foi
dito. Na verdade, para mim, não há antítese entre fundo e forma.
A forma de um ser é o aspecto visível, tangível de sua natureza. Este
cão fraldeiro que está a meu lado, nós o reconhecemos com fraldeiro por sua
forma. É pela sua forma que ele é o que é e não um são-bernardo. Quando olhamos
num museu uma velha de Rembrandt ou, ao contrário, a Vitória de Samotrácia, é só através de uma certa forma que
conhecemos o pensamento que o pintor ou o escultor quiseram nos transmitir: por
um lado o patético da velhice, a dignidade da velhice, por outro o impulso heroico,
a tempestade feita mulher, uma espécie de grande anjo feito de velocidade e
vento. Nos dois casos, a forma não é outra coisa senão o fundo tornado visível
e a essência tornada palpável: aqui um emaranhado de rugas, lá dobras de pano,
escavadas e infladas pelo vento do mar. Se não houvesse essa forma pintada ou
esculpida não haveria nem pensamento, nem obra, nem obra-prima. E o mesmo
acontece com tudo o que nos toca na vida. É pela forma que nos reconhecemos,
como é pela ação que nos mostramos tal como somos. Proponho então que o
problema da forma enquanto oposto, superimposto do pensamento, seja de certo
modo deixado de lado, porque é um falso contraste e um falso problema.
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Pedro Luso de Carvalho