– PEDRO
LUSO DE CARVALHO
Entrevistado
por uma revista brasileira, há muito tempo, João Cabral de Melo
Neto disse, entre outras coisas, que não acreditava em inspiração
para escrever poemas; para ele, essa é uma tarefa que exige método
e dedicação. Foi nessa entrevista que o poeta pernambucano disse –
não sei se pela primeira vez – que escrevia poesia com cinco por
cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração.
Não é por
outro motivo que os críticos e os escritores de 1945 combateram a
sua poesia, quer pelo rigor de sua construção, quer pela secura de
sua linguagem, que ficava muito distante dos poemas inspirados da
época. João Cabral era para eles um poeta racional e sem coração.
Não é por outro motivo que é tido por poeta engenheiro.
Em
entrevista concedida ao Jornal
do Brasil,
"Caderno B", Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 1968, João
Cabral respondeu a uma pergunta feita justamente sobre inspiração;
eis a resposta do poeta:
Inspiração
não tenho nunca. Aliás, como diz Auden, a poesia procura a gente
até os 25 anos. Depois, é a gente que tem de procurá-la,
inspirá-la. Confesso que desde o início construí minha poesia.
Rendimento é uma questão de trabalho e método. De sentar todos os
dias à mesma hora. O rendimento dos primeiros dias pode ser menor,
mas depois se torna regular.
Em 1958 a
José Olympio Editora publicou o livro de João Cabral de Melo Neto
intitulado Duas
Águas
(Poemas Reunidos). Esse volume encerrou as obras publicadas em Poemas
Reunidos, Rio de Janeiro, 1954, e estes outros livros: Morte
e Severina,
Paisagens
com Figuras, Uma Faca só Lâmina.
Os Poemas
Reunidos citados compreendiam: Pedra
do Sono,
Recife, 1942; Os
três Mal-Amados,
1943; O
Engenheiro,
Rio, 1945; Psicologia
da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode,
Barcelona, 1947, e O
Cão sem Plumas,
Barcelona, 1950. Esses livros - editados no volume intitulado Duas
Águas
(Poemas Reunidos) - sofreram algumas modificações, que o poeta
considerou-os definitivos.
Para a
edição neste espaço, escolhemos o poema de João Cabral, A
Mulher do Hotel,
que integra o livro Duas
Águas
(Poemas Reunidos):
A
MULHER DO HOTEL
– JOÃO
CABRAL DE MELO NETO
A
mulher que eu não sabia
(rosas
nas mãos que eu não via,
olhos,
braços, boca, seios)
deita
comigo nas nuvens.
Nos
seus ombros correm ventos,
crescem
ervas no seu leito,
vejo
gente no deserto
onde
eu sonhara morrer.
Terei
de engolir a poeira
que
seus cabelos levantam
e
pousa na minha alma
me
dando um gosto de inferno?
Terei
de esmagar as crianças?
Pisar
nas flores crescendo?
Terei
de arrasar as cidades
sob
seu corpo bulindo?
Hei
de achar um cemitério
onde
em seu pé plantarei.
Vou
cuspir nos olhos brancos
desta
mulher que não sei.
* *
EFERÊNCIAS:
ATHAYDE,
Félix de. Idéias
fixas de João Cabral de Melo Neto.
4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes,
SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998, p. 48.
DE MELO
NETO, João Cabral. Duas
águas.
Poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 161.
* * *
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Pedro Luso de Carvalho